Construir a Humanidade

A Educação como recurso

Ler os textos do Padre Manuel Antunes (MA) que nos foram propostos revestiu-se de uma experiência de viagem no mar da “verdade”. A intemporalidade que neles se reconhece, advém do facto de falar como exercício de aproximação à Verdade, sobre as verdades fundamentais a que cada geração e cada pessoa é chamada a redescobrir. Os textos de MA evidenciam também uma característica que sempre se aprecia, mas mais ainda sendo ele um clérigo a escrever num tempo em que as liberdades individuais não eram apanágio frequente: a independência interior que demonstra e, por isso, a capacidade de estabelecer diálogos, estabelecer pontes, deixar-se enriquecer pelos diversos pontos de vista, que as inúmeras e variadas leituras potenciam. A este facto acresce que se lhe reconhecia ser «firme nos seus princípios mas flexível nas suas aplicações»(Franco, 2008, p. 5).

Traçado o pressuposto humano que, estamos em crer, permitiu uma obra desta envergadura, é tempo de olharmos para a perspetiva que aqui nos ocupa: a educação; melhor, a paideia. Entendendo esta na sua aceção clássica, como um sistema de educação, que englobava áreas abrangestes, mas que todas confluíam no objetivo central: a educação de um cidadão perfeito e completo, com capacidade para desempenhar um papel positivo na sociedade. Ler MA é redescobrir o que é essencial para se formar um cidadão de pleno direito e capaz de o exercer plenamente, pelo que não é de estranhar que o primeiro texto desta coletânea verse, precisamente, sobre «aspetos da ansiedade contemporânea»(Cf. Antunes, 2008, pp. 17–25). Considerando-se aí aquela como a potenciadora da dos três clássicos flagelos: fome, peste e guerra. É que a ansiedade, ao ser vista como um «misto de inquietação e de angústia, de insegurança e de incerteza, de apreensão e de medo, de insatisfação e de cuidado que nos constringe ou nos dilata, nos fecha ou nos abre num movimento sempre tenso, jamais saciante, jamais tranquilo»(Antunes, 2008, p. 18), manifesta-se sobretudo num estado geral de mal-estar e cansaço. Claro que ler MA, hoje, é pôr a sua obra – neste caso um texto de 1966 – a dialogar com autores contemporâneos que configuram a nossa paisagem cultural. Vem a propósito, então, o coreano/alemão Byung-Chul Han, com um dos seus títulos mais recentes: A Sociedade do Cansaço (Cf. Han, 2015). Aí se fala de uma sociedade de desempenho e fadiga, que reivindica a autonomia da própria vida através da técnica e que absolutiza o saudável, mas que destrói precisamente a beleza e a intensidade da vida.

O pensamento de MA pode ser sintetizado na expressão “acertar a mentalidade”, que é também o título de um texto seu de 1970, onde ele reconhece que é uma das maiores exigências dos tempos de crise e de aceleração da história. Mas ao entender-se o “acertar a mentalidade” como 

«o rectificar, corrigir, harmonizar a própria maneira de pensar e de sentir de acordo com as leis do mundo e as exigências da vida, de acordo com o real multidimensional. Ou, mais radical e simplesmente: pretende, num movimento simultâneo e englobante, aceitar a norma e criar a norma. Aceitar sem mais seria puramente infantil. Criar sem aceitar constituiria usurpação de um atributo que só ao Criador pertence» (Antunes, 2008, p. 95).

As implicações educativas deste desiderato podem dizer-se através da articulação de três verbos: destruir, assumir e superar (Cf. Antunes, 2008, pp. 100–102), o que implica uma hermenêutica da cultura que almeja ser capaz de abarcar conceptualmente a realidade ou pelo menos tentar, para, num regresso à sua identidade mais profunda, ser capaz de se libertar de tudo aquilo que o aprisiona, sejam as coisas, ou outros ou até o seu próprio eu identitário (Antunes, 2008, p. 65).

Fontes:

Antunes, M. (2008). Obra Completa do Padre Manuel Antunes (J. E. Franco (ed.); 2.a ed.). Fundação Calouste Gulbenkian.

Franco, J. E. (2008). Introdução. Para um projecto de educação total. Em J. E. Franco (Ed.), Obra Completa do Padre Manuel Antunes: Vols. II-Paide (pp. 1–11). Fundação Calouste Gulbenkian.

Han, B.-C. (2015). Sociedade do Cansaço (E. P. Gianchini (trad.)). Vozes.

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