Uma Quaresma que prepara a Páscoa

Os tempos hodiernos oferecem uma mutação no âmbito dos símbolos. Surgem novas ideias e, com elas, novos sentimentos entraram em jogo. Uma instituição não evolui porque os seus membros envelheçam, mas sim porque as relações mútuas entre eles se alteram. As relações são a chave da mudança. Urge, portanto, encontrar maneiras de nos reencantarmos com aqueles que connosco caminham. É nesta conversão contínua, como resposta aos estímulos quaresmais, que reside a capacidade de subsistência cristã; a adequação aos apelos de Deus é a bóia que nos permite flutuar no meio do caudal agitado, símbolo de um contexto de elevada transitoriedade e apego ao rentável e eficaz em detrimento, muitas vezes, do verdadeiro e honesto.
Só a valorização da identidade consegue fazer face à complexidade. Aqui reside um dos grandes desafios da Quaresma: é que é preciso lutar sem desfalecimento contra a inação, contra o obscurantismo e contra a arrogância. À fé cristã pede-se que saiba articular-se com os outros pontos de vista, de modo a que se possa traçar o rumo mais adequado a cada momento, em cada circunstância da interação com a realidade. O mal não está simplesmente em haver pessoas que não acreditam em Deus, mas sim em haver pessoas que acreditam tanto nEle que não deixam espaço para a procurar « a todo o momento os sinais dos tempos, e interpretá-los à luz do Evangelho; para que assim possa responder, de modo adaptado em cada geração, às eternas perguntas dos homens acerca do sentido da vida presente e da futura, e da relação entre ambas»(GS 4).

O Advento de Deus

O Advento recorda a dimensão histórica da salvação, evidencia a dimensão escatológica do mistério cristão e insere-nos no caráter missionárioda vinda de Cristo.

Os textos litúrgicos mostram a história da humanidade e o mistério da vinda do Senhor, Jesus, que de fato encarna e torna-se a presença da salvação na história, dando pleno cumprimento àquilo que os profetas anunciaram: Deus, ao fazer-se carne, plenifica o tempo (Gl 4,4) e torna presente o Reino (Mc 1,15).
O Advento recorda também o Deus da Revelação. Aquele que é, que era e que há-de vir (Ap 1, 4-8), que está sempre a realizar a salvação, mas cuja consumação se cumprirá no «dia do Senhor», quando o tempo já não for tempo, na escatologia.
 O caráter missionáriodo Advento manifesta-se na Igreja pelo anúncio do Reino e o seu acolhimento no coração de cada pessoa, até à manifestação gloriosa de Cristo. As figuras de João Batista e Maria são exemplos concretos da vida missionária de cada cristão: quer preparando o caminho do Senhor, quer levando Cristo aos irmãos.

A celebração do Advento é, então, um meio precioso e indispensável para reaprendermos o mistério da salvação e assim termos a Jesus como referência e fundamento.

Quando o crer liberta

Depois de se poder constatar que um indivíduo totalmente autónomo, fechado sobre a sua razão, não existe, é uma ilusão não podemos cair no erro de ficar encerrados na radical imanência  do horizonte último de toda a crença.
A transcendência liberta! A possibilidade de sermos interpelados de forma absoluta, com a constituição de uma certeza fundamental, ou uma base sobre a qual se possa construir todas as outras dimensões, é posta de parte por muitos contemporâneos. É certo que a transcendência, porque transcende, só pode ser apreendida por cada pessoa no aqui e agora da sua história, por isso limitado e incompleto. Mas é parte integrante do crente a aceitação dessa finitude, que nos determina como seres de acolhimento e não como donos e senhores da realidade.
O processo crente, e os crentes, precisam de integrar a hermenêutica— que situa o crer numa tradição, numa cultura e na finitude do processo histórico-cultural do ser humano; e a metafísica — que não limite o crer ao horizonte cultural, antes o percebe em relação com o excesso que o habita por dentro.
Só assim, nesta recepção, é que nos realizamos como seres livres, que recebemos o Dom como sentido e o atualizamos no modo de crer, porque sabemos, agimos e esperamos para além do aqui e agora.

Quero crer

O crer, o acreditar na fé, inaugura uma dimensão excessiva em relação à produção de sentido. Na dinâmica do crer, o sentido, mais do que produzido, é acolhido.
O crente, na sua acepção mais genérica, é todo aquele que reconhece, contempla, se espanta e aceita este estatuto de «ser mistério», a ontologia de «ser dado». Aceita que o dom originário, embora compreendido e aceite no seu âmago e nas suas consequências, nunca será totalmente captado e dominado pelos saberes humanos, quer pela ciência quer pela práxis: apenas poderá ser acolhido pela pessoa crentecomo algo imerecido e, ao mesmo tempo, excessivo em relação a tudo o que sabe e faz.
O ser humano crente é o que sabe como crente, sabe o mundo e o sentido de forma crente, por isso age como crente. O crente sabe-se e sabe o mundo como crente quando se aceita e aceita o mundo como originados e não como origem e fim em si mesmos, por isso o saber do crente é um saber de esperança. E porque se descobre e acolhe como dom gratuito, dá-se aos demais de forma gratuita, com fundamento fora de si — no Outro — pelo que o saber crente gera a ação caritativa.

Dizer Deus: o Novo, de novo!

Num contexto de nova evangelização, que de novasó tem o nome, porque é fazer aquilo que sempre se fez, e que Cristo nos mostrou e em Si realizou: anunciar a Boa Nova, curar os que sofrem e dar vida em abundância.
A Palavra de Deus apresenta-se, no Antigo Testamento, sob muitos aspetos, mas mantém a característica de ser uma palavra que, simultaneamente, revela e esconde: não se deixa reduzir a simples significados verbais. No Novo Testamento, esvai-se a diferença de níveis de comunicação entre Deus e o homem, provenientes das diferentes naturezas.
«Sabendo Jesus que chegara a Sua hora de passar deste mundo para o Pai, Ele que amara os Seus que estavam no mundo, levou até ao extremo o Seu amor por Eles»(Jo 13, 1). E o auge da doação: a palavra articulada faz-se palavra imolada. Na Cruz, Jesus Cristo mostra o amor de Deus aos homens; a palavra de Deus esgota-se até ao silêncio. A hora da morte e do silêncio é a suprema expressão do amor oferecido à humanidade. Aquilo que na comunicação divina é incomunicável diz-se agora com os braços estendidos e o corpo dilacerado.


À luz da Ressurreição, a relação entre o homem e Deus é, pois, reflexo do diálogo trinitário, gerador de comunhão amorosa, na qual o homem é chamado a participar. Apesar da dificuldade do cidadão hodierno — fechado sobre si e incapaz de se situar perante o dom —, é preciso continuar a anunciar o Deus que se fez homem e que diviniza a humanidade pela comunicação do seu ser pessoal.
Anunciar Deus de forma sanante leva a descobrir, em conjunto com os vários saberes, outros métodos de comunicar, que integrem a fé e evitem o absurdo. Processo capaz de ser realizado por aqueles que falam como se vissem o invisível, sempre em busca de novos métodos de contar a verdade, marcados sempre pelo imprevisível.

Nesta dinâmica, cada um acabará por sentir, no mais íntimo da sua humanidade, o apelo duma Proposta transcendente, que foi por vezes rejeitada enquanto expressa em paradigmas ultrapassados, mas que surge agora, nova e disponível, para a reinvenção do futuro. De um futuro com um Deus tão transcendente que não se deixa reduzir a simples verbalizações que aprisionam, mas tão próximo que chama cada pessoa, do âmago de cada cultura, a uma sanação libertadora: oferecendo-lhe o sentido, como dom.

Obrigado, Comunidade!

Nos tempos que correm, fortemente influenciados pela modernidade já superada, as tradições são postas em causa, pois crê-se que com o progresso científico-técnico o ser humano, recorrendo apenas à razão, pode encontrar em si, e de forma autónoma, a totalidade das suas motivações e, por isso, todo o conhecimento. Mas isto, que é um preconceito contra a tradição, redunda na negação daquilo que quer afirmar: não há lugar à verdade, mas sim à ideologia, com a consequente perda de liberdade e a desumanização.

O saber em si não é o que acontece primeiro, nem o fundamento último de tudo, pois o saber da possibilidade de saber, que o mundo existe e habitamos nele, que a linguagem me permite interagir no e com o mundo e falar a outros deste mundo, não se sabe nem se demonstra, antes crê-se. O que implica que, antes de qualquer operação de interação e conhecimento, o ser humano recebe uma linguagem, sobretudo da sua cultura e do seu contexto, que lhe oferece uma estrutura possibilitadora de tudo o demais. O ‘pensar’ absolutamente subjetivo, sem recurso a nada exterior, não é possível.
Pensar que se é livre, porque se rompe totalmente com a comunidade em que vivemos é, quase sempre, a maior das ditaduras.

Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil

Depois de os bispo italianos terem publicado, em 2004, um diretório sobre comunicação social, intitulado Comunicazione e Missione, a Igreja do Brasil publicou também o seu Diretório.
Este Documento brasileiro é composto por dez capítulos, que tratam dos diferentes conteúdos da comunicação, são eles: 1. Comunicação e Igreja no mundo em mudanças, 2. Teologia da Comunicação, 3. Comunicação e vivência da fé, 4. Ética e Comunicação, 5. O protagonismo dos leigos na comunicação evangelizadora, 6. A Igreja e mídia, 7. Igreja e mídias digitais, 8. Políticas de comunicação, 9. Educar para comunicação e 10. Comunicação na Igreja: a atuação da Pascom.
Em cada capítulo, além das reflexões apresentadas, são oferecidas pistas de ação para a formação, articulação, produção e espiritualidade da comunicação.
O Diretório é destinado aos responsáveis que atuam na comunicação eclesial e nas relações com a sociedade. O texto oferece conteúdos com referenciais comunicacionais, sociológicos, éticos, políticos, teológicos e pastorais.

Apresentamos aqui alguns números que são essenciais para a compreensão do diretório, porém é na riqueza do conjunto de todo seu conteúdo que compreendemos melhor o valor do documento. Todos os capítulos terminam com algumas pistas de ação prática o que facilita na aplicação do diretório nos diferentes âmbitos propostos. O trabalho terá como base quatro eixos: Formação, Articulação, Produção e Espiritualidade.
CAPÍTULO 1 -Comunicação e Igreja no mundo em mudanças: “A comunicação tem
como objetivo primordial criar comunhão, estabelecer vínculo de relações, promover o bem comum, o serviço e o diálogo na comunidade” (Nº. 13).
CAPÍTULO 2 -Teologia da Comunicação: “A Trindade è, por sua natureza, comunicadora. Pai, Filho e Espírito Santo são exemplos da unidade na diversidade. Eles colaboraram intimamente para a realização do projeto divino na história humana. Criando, salvando e santificando, o Pai, o Filho e o Espírito Santo redimem os seres humanos e glorificam para sempre a comunicação nas suas dimensões humana e divina” (Nº. 39).
CAPÍTULO 3 -Comunicação e vivência da fé: “A Igreja existe para Evangelizar e sua missão primordial consiste em comunicar a Boa Noticia do Reino, proclamado e realizado em Jesus Cristo. Isso implica, no mundo contemporâneo, uma pastoral em contínuo estado de missão, com novo ardor, novos métodos e novas expressões” (Nº. 64).
CAPÍTULO 4 -Ética e Comunicação: “A Ética na comunicação consiste em saber se os avanços tecnológicos estão contribuindo para um desenvolvimento humano autêntico e ajudando os indivíduos e os povos a corresponder à verdade de seu destino transcendente” (Nº. 104).
CAPÍTULO 5 -O protagonismo dos leigos na comunicação evangelizadora: “Os fiéis cristãos participam da missão sacerdotal de Cristo quando vivem as realidades do cotidiano, como a vida familiar e conjugal, o trabalho, o lazer e as ações comunicativas, em espírito de oração e comunhão com Cristo” (Nº. 121).
CAPÍTULO 6 -A Igreja e mídia: “É recomendável que a Igreja dialogue com os
responsáveis pela mídia e aprofunde aspectos culturais, sociais, políticos, econômicos e religiosos. Esse diálogo é indispensável para um entendimento dos modos de ação da mídia, em uma busca constante de discernimento. Além disso, a Igreja precisa sustentar e encorajar
aqueles que atuam nos meios de comunicação” (Nº. 144).
CAPÍTULO 7 Igreja e mídias digitais: “A Igreja tem convicção de que as mídias digitais
não substituem a vida em comunidade e litúrgica presencial, contudo pode completá-las, atraindo as pessoas para uma experiência mais integral da vida de fé e enriquecendo a vida
religiosa dos usuários” (Nº. 176).
CAPÍTULO 8 -Políticas de comunicação: “As políticas de comunicação, concebidas ao longo da história, pautam estratégias de ações concretas dos vários segmentos sociais. Segundo a Constituição Brasileira, cabe ao Estado estabelecer, através do Poder Executivo, um marco regulatório consistente, que defina os limites e as responsabilidades na atuação dos diversos agentes da comunicação, garantir a liberdade de expressão e de imprensa, assegurar as condições, políticas para que sejam exercidas a pluralidade e diversidade das
manifestações de pensamento” (Nº. 203).
CAPÍTULO 9 -Educar para comunicação: “A abertura para com o outro – base do processo comunicativo cristão – exige exercícios de uma prática pedagógica que tem como referência o próprio modo de Jesus se comunicar” (Nº. 215).