A educação cristã na Web VIII

A Rede está a tornar-se no contexto existencial dominante[1]. Importa, então, assumir que ela possui um ambiente cultural próprio com novas formas de pensar e novos territórios, com consequentes implicações educativas, relacionais e modos de estimular a inteligência. O conhecimento e as relações já não se procuram como quem procura um norte ou um objeto, com a bússola ou o radar, antes deixam-se encontrar. Estão ali, disponíveis, para quem as quiser procurar[2]. Os motores de busca, a uma simples pergunta, devolvem uma lista muito grande de informações, que mais não são do que sugestões indexadas como adequadas aos termos introduzidos. A esta “memorização” da máquina é ainda acrescido o histórico das pesquisas de cada indivíduo, o que faz com que a máquina devolva as respostas que, de acordo com os algoritmos introduzidos, considera mais adequadas. Este fenómeno é desafiante por dois motivos: primeiro porque é preciso considerar que há realidades que escapam à lógica dos programas de busca; por outro lado, é preciso ajudar os cibernautas a identificar as respostas que verdadeiramente dão sentido à existência humana na sua totalidade. Estes desafios mostram a necessidade de uma espiritualidade capaz de dar unidade à fragmentação das mensagens[3].
O modo de estar na Web, para a Igreja, implica, então, um novo modo de dizer e escutar[4], de onde sobressaem os seguintes desafios: passar de uma pastoral de respostas à de perguntas, do centrar-se nos conteúdos para se centrar nas pessoas, e do centrar-se nas ideias para se centrar na narração[5].
A pastoral, ao deslocar a sua preocupação das respostas para as perguntas, assume o facto de que hoje não é difícil encontrar uma mensagem que faça sentido; a dificuldade reside, antes, em descodifica-la, reconhecê-la como importante e significativa, no meio das inúmeras ofertas disponíveis e no contexto de uma identidade crente. Ao esforço de dar respostas, em ter uma resposta, que surgirá sempre como mais uma no meio de tantas, corresponde a apresentação do Evangelho não «como o livro que contem todas as respostas, (…) mas como o livro que contém todas as perguntas juntas»[6], as que valem a pena ser respondidas. Este dado postula um esforço educativo que não se centre apenas na oferta de conteúdos, mas na liberdade de procurar, de forma crítica, os conteúdos que oferecem sentido. 
O segundo desafio depreende-se do anterior: uma pastoral que se centre nas pessoas e não nos conteúdos. A Internet favorece uma busca à medida, onde cada um procura o que quer, quando quer e onde quer. Já não há uma oferta programada para todos em simultâneo, antes buscas que implicam seleções e interações. O poder transitou do emissor para os receptores, admitindo ainda como possível o uso desta terminologia. E a busca espiritual, também ela, participa desta lógica, pelo que o programa é elaborado à medida de cada um, a partir dos conteúdos disponíveis na Internet. E estes serão tanto mais úteis quanto mais forem respostas às inquietações do cibernautas, o que implica uma atitude permanente de os escutar[7]. A cultura digital oferece esta oportunidade para dialogar, para compreender quais são as «alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje» (GS 1). E é aqui que ganham redobrada importância os “amigos” e os “seguidores” na Web, uma vez que estes serão tanto mais eficazes quanto forem capazes de ser significativos para a rede de cada pessoa. A centralidade das pessoas e não dos conteúdos leva a assumir uma presença eclesial cada vez mais comunicativa e participativa, que favorece a narração testemunhal da experiência crente, com a qual é possível identificar-se. E este testemunho permite fazer emergir a relação entre indivíduos, o que implica a partilha de redes de relações. Nesta teia, o conteúdo partilhado está intrinsecamente ligado a quem o partilha, e é o quemque acaba por qualificar o quê. Quem partilha nunca o faz de modo neutro, ainda que seja apenas o replicar um objeto numa rede social: «Quando as pessoas trocam informações, estão já a partilhar-se a si mesmas, a sua visão do mundo, as suas esperanças, os seus ideais»[8]. O Documento da Aparecida afirma claramente que «a missão não se limita a um programa ou projeto, mas é compartilhar a experiência do acontecimento do encontro com Cristo, testemunhá-lo e anunciá-lo de pessoa a pessoa, de comunidade a comunidade e da Igreja a todos os confins do mundo (cf. At 1,8)»[9].
O terceiro desafio, o centrar-se na narração e não nas ideias, é a consequência natural das relações interpessoais, porque aquio que se realiza é o dizer dizendo-se, na proximidade do encontro de uma vida partilhada[10].
«Neste tempo em que as redes e demais instrumentos da comunicação humana alcançaram progressos inauditos, sentimos o desafio de descobrir e transmitir a “mística”de viver juntos, misturar-nos, encontrar-nos, dar o braço, apoiar-nos, participar nesta maré um pouco caótica que pode transformar-se numa verdadeira experiência de fraternidade, numa caravana solidária, numa peregrinação sagrada. Assim, as maiores possibilidades de comunicação traduzir-se-ão em novas oportunidades de encontro e solidariedade entre todos» (EG 87).
A Web 2.0 oferece uma oportunidade fantástica para dar visibilidade e tornar significativas as experiências vividas, graças à facilidade com que se podem narrar e partilhar. E narrar é «restituir os sujeitos do conhecimento à densidade simbólica e experiencial do mundo. A narração na rede poder ser, sim, individualista e autorreferencial, mas também pode ser polifónica e aberta»[11]. As novas formas de narrar e escutar implicam uma ecologia educativa digital acolhedora, capaz de amparar as perguntas que na Web se podem fazer e que não encontram lugar noutros âmbitos, sem esquecer que as novas paisagens mediáticas permitem integrar a continuidade bidirecional entre o virtual e o presencial.


[1]Cf. M. CastellsA Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. A Sociedade em Rede, Vol. I, ed. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa 20073; D. ZanonO impacto da sociedade em rede sobre a Igreja católica. Elementos para uma cibereclesiologia, ed. Paulus, Lisboa 2012.
[2]Cf. A. SpadaroCyberteologia. Pensare il cristianismo al tempo della rete[eBook], ed. Vita e Pensiero, Milano 2012, 17-19.
[3]Cf. Ibidem, 54-55.
[4]«Quem acompanha sabe reconhecer que a situação de cada pessoa diante de Deus e a sua vida em graça são um mistério que ninguém pode conhecer plenamente a partir do exterior. O Evangelho propõe-nos que se corrija e ajude a crescer uma pessoa a partir do reconhecimento da maldade objectiva das suas ações (cf. Mt 18, 15), mas sem proferir juízos sobre a sua responsabilidade e culpabilidade (cf. Mt 7, 1; Lc 6, 37). Seja como for, um válido acompanhante não transige com os fatalismos nem com a pusilanimidade. Sempre convida a querer curar-se, a pegar no catre (cf. Mt 9, 6), a abraçar a cruz, a deixar tudo e partir sem cessar para anunciar o Evangelho. A experiência pessoal de nos deixarmos acompanhar e curar, conseguindo exprimir com plena sinceridade a nossa vida a quem nos acompanha, ensina-nos a ser pacientes e compreensivos com os outros e habilita-nos a encontrar as formas para despertar neles a confiança, a abertura e a vontade de crescer» (EG 172).
[5]Cf. A. Spadaro, «Le 6 grandi sfide della comunicazione digitale alla pastorale», in CyberTeologia, 3 de Novembro de 2014 [https://www.cyberteologia.it/2014/11/le-6-grandi-sfide-della-comunicazione-digitale-alla-pastorale/ (acedido a 28/07/2016)].
[6]Ibidem.
[7]Cf. Comissione Teologica Internazionale,Il sensus fideinella vitta della Chiesa, Novembre 2014, 120-126 [https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_20140610_sensus-fidei_it.html (acedido a 28/07/2016)].
[8]Bento XVI,«XLV Dia Mundial das Comunicações Sociais, 2011 – “Verdade, anúncio e autenticidade de vida, na era digital”», in L’Osservatore Romano, ed. em português, 29 de janeiro de 2011, 5.
[9]Episcopado Latino-Americano e do Caribe, Documento de Aparecida. Texto Conclusivo da V Conferência Geral, ed. CNBB/Paulus/Paulinas, São Paulo 2007, 145.
[10]Cf. R. Laurita,«La comunicazione della fede: evangelizzare efficacemente nel tempo dei new media», in Credere Ogggi32, 2 (2012), 34.
[11]A. Spadaro, «Le 6 grandi sfide della comunicazione digitale alla pastorale»», in CyberTeologia, 3 de Novembro de 2014 [https://www.cyberteologia.it/2014/11/le-6-grandi-sfide-della-comunicazione-digitale-alla-pastorale/ (acedido a 28/07/2016)].

A educação cristã na Web VII

Em termos eclesiais[1], o desafio consiste em fomentar a aprendizagem básica dos recursos tecnológico — a literacia digital — ao serviço da educação cristã, para, depois, capacitar os agentes de pastoral para a adaptação do conhecimento[2], gerando novos conhecimentos — a literacia mediática[3]
À instituição eclesial, como comunidade de sentido, é pedido, então, que ofereça ordem, que organize e configure a herança do que há que transmitir, imunizando o coletivo contra a desordem e a agressão, fazendo território no espaço virtual. A Igreja, ao ser sacramento universal de salvação, tem na Encarnação do Verbo o modelo para a sua ação, procurando perceber como é que a palavra de Deus fez caminho na humanidade. À luz do dogma de Calcedónia, a Igreja é convidada a refletir o modo como as ideias — o virtual — podem ser atualizadas, ganhando corpo. Percebido este processo, as experiências crentes podem fazer o caminho inverso e ser também virtualizadas[4]


[1]Vejam-se os diversos estudos publicados em H. Campbell(Ed.), Digital Religion. Understanding religious practice in new media worlds, ed. Routledgs, New York 2013.
[2]Cf. P. Dias, «Comunidades de educação e inovação na sociedade digital», in Educação, Formação & Tecnologias4 (2012) 2, 4-10.
[3]Cf. F. C. Palleta, E. P. Maldonado, «Informática e tecnologia: apropriação e produção de conhecimento na Web 3.0», in Proceedings of World Congresso in Communication and Arts7 (2014) 343-346. 
[4]Cf. P. LévyCyberculture, Editions Odile Jacob, Paris 1997; IdemQué es lo virtual?, Ed. Paidós, Barcelona 1998.

A educação cristã na Web VI

Outro aspeto relevante da pedagogia divina é o recurso aos sinais e símbolos: «o emprego de todos os recursos da comunicação interpessoal tais como a palavra, o silêncio, a metáfora, a imagem, o exemplo e tantos sinais diversos, como o faziam os profetas bíblicos» (DGC 140). Mas os símbolos, para cumprirem a sua missão, precisam de uma comunidade de sentido, onde possam ser lidos e percebidos — surtir efeito —, e não se fiquem em meros sinais efémeros[1]. Para que isto seja possível, importa perceber que transmitir é transportar no tempo, fazer herança, e não apenas informar. Logo, não basta a técnica, é preciso um esforço consciente institucional[2]
As comunidades de aprendizagem e a aprendizagem contextualizada, no âmbito da educação, poderão ser as percursoras da Web semântica, ou Web 3.0, na qual a internet, a máquina,se organiza e faz um uso inteligente do conhecimento já disponibilizado online, dando ao cibernauta aquilo que ele procura, por antecipação, a partir de um histórico de visitas ou dos conceitos associados. Para isso, é preciso softwareque vai realizando, ele mesmo, algum tipo de memorização — há quem lhe chame aprendizagem — com o vasto conteúdo disponível na Web, que analisa e elenca de acordo com critérios previamente estabelecidos. É à instituição eclesial que convém determinar esses critérios, já que estamos muito próximos do conceito de inteligência artificial. A diferença entre a Web 2.0 e a Web 3.0 é a diferença entre obter uma lista de respostas e uma solução concreta e personalizada para determinada pergunta. É a diferença entre a sintaxe e a semântica[3]
No campo da educação, esta possibilidade ainda não encontrou a necessária estabilidade conceptual para poder ser introduzida numa reflexão como a que estamos a elaborar. Há já alguns estudos sobre o assunto, mas que não são conclusivos, antes«demonstram que, por estar sendo explorada por apenas algumas iniciativas, sua utilização está pouco consolidada. Os resultados mostraram que diversas ontologias estão sendo desenvolvidas para modelar os objetos de aprendizagem»[4]. A este dado acresce a diversidade de ferramentas que atualmente se estão a utilizar, não ainda de modo satisfatório, «o que confirma a preocupação e interesse da comunidade científica em oferecer ferramentas que possam contribuir para otimizar a qualidade desses ambientes»[5].


[1]Cf. L.-M. ChauvetLinguaggio e Simbolo. Saggi sui Sacramenti, Editrice Elle Di Ci, Leuman 1982, 17-78.
[2]Cf. R. DebrayTransmettre, ed. Odile Jacob, Paris 1997,177-178; Cf. R. DebrayManifestes médiologiques, ed. Gallimard, Paris 1994, 41-ss.
[3]Um portal que merece a pena visitar é o https://www.wolframalpha.com/, que não é um mero motor de busca da web 2.0, mas que ensaia uma resposta, em vez de remeter para potenciais respostas. Depois de feita uma pergunta, o sistema processa as respostas recolhendo dados de várias páginas e bases que contenham unicamente informação relevante para essa pergunta em concreto.
[4]A. M. Zem-Lopes,et al, «Uma Revisão Sistemática das Tecnologias da Web Semântica em Ambientes Educacionais»[em linha], in Anais dos Workshops do Congresso Brasileiro de Informática na Educação(2013)578.
[5]Ibidem; Cf. C. H. Marcondes, «Organização e representação do conhecimento científico em ambiente Web: do formato textual linear aos artigos semânticos», in Ponto de Acesso7, 1 (2013) 7-41. Como exemplo desse trabalho veja-se a Tese de Doutoramento de M. C. MaltaContributo metodológico para o desenvolvimento de perfis de aplicação no contexto da Web Semântica, Tese de doutoramento em Tecnologias e Sistemas de Informação, Universidade do Minho, Braga 2014 [https://hdl.handle.net/1822/30262 (acedido a 12/07/2015)].

A educação cristã na Web V

A formação que a Web possibilita tem, então, de ser vista a partir do problema das linguagens e do modo como cada pessoa participa e está presente nas redes mediáticas, sobretudo a partir da categoria de amizade, muito falada neste contexto, que deverá ser vista como expressão do testemunho cristão, quer dos indivíduos, quer das comunidades, num permanente exercício de abertura de portas, sobretudo às periferias existenciais (Cf. EG 46-47).
Mas a relevância da Internet será tanto maior quanto esta se puder utilizar de acordo com a pedagogia divina[1], que se concretiza em torno de três princípios: o da condescendência, o da participação comunitária e o da participação gradual (Cf. DGC 139-147).
O recurso à Web responde ao princípio da condescendênciadivina, que se adaptou à «condição humana» (Cf. DGC 146). A utilização da Internet mais não é, também, do que a adaptação às condições em que hoje uma boa parte da humanidade vive, procurando reconhecer e potenciar as possibilidades existente no ambiente digital. Mas o auge da condescendência de Deus realiza-se em Jesus Cristo, a palavra de Deus feita carne, que é o ponto mais alto da condescendência divina. A pedagogia da encarnação, tal como está refletida no Diretório Geral da Catequese, não coloca como ponto central a presença de um corpo, mas sim «o Evangelho [que] deve ser proposto sempre para a vida e na vida das pessoas» (DGC 143); logo, mais do que proximidade física, importa uma proximidade vivencial. Destaca-se a visibilidade que é dada à experiência de fé, à sua narração[2]. Verifica-se a necessidade de «iluminar e interpretar a experiência com o dado da fé (…), sob pena de se cair em justaposições artificiais ou em compreensões integristas da verdade» (DGC 153), logo contrárias ao princípio da condescendência. 
A dimensão comunitáriada pedagogia divina também tem na Web um fator potenciador. Recordemos que esta dimensão requere que se valorize a experiência de fé de uma comunidade crente e apoia-se na relação pessoal e no diálogo (Cf. DGC 143). A Internet oferece recursos para que esta partilha de experiências aconteça e o diálogo, de onde pode brotar uma profunda relação, surja. Se, por vezes, o diálogo e a partilha se tornam difíceis num encontro presencial, nos espaços virtuais é diferente[3]. O reconhecimento e potenciação de ecologias de aprendizagem[4]não só dará espaço para que cada membro da comunidade se expresse, como poderá mesmo modificar a fisionomia das comunidades, tornando-as mais ativas.
Por último, o recurso à Internet permite que a gradualidade, que é própria da pedagogia divina, seja personalizada, o que é bem difícil noutros âmbitos mais clássicos. Aqui, o centro é de facto o indivíduo que tem uma participação ativa em todo o processo, é ele que decide o ritmo. Sem essa participação, o progresso não se verifica e isso é evidenciável. 


[1]Cf. J. Gresham, «The Divine Pedagogy as a Model for Online Education», in Teaching Theology and Religion9, 1 (2006) 24-28.
[2]Cf. B. Callieri, «L’aspetto narratológico nella cultura dele realità virtuale: tra sfida e rischio», in Psicotech1 (2003) 9-17.
[3]Cf. J. Gresham,«The Divine Pedagogy as a Model for Online Education», in Teaching Theology and Religion9, 1 (2006) 27.
[4]Cf. G. Siemens, Knowing Knowledge, 2004, 42-47[https://www.elearnspace.org/KnowingKnowledge_LowRes.pdf (acedido a 27/07/2016)].

A educação cristã na Web IV

A possibilidade de usar a Internet ao serviço da educação cristã é, muitas vezes, olhada de soslaio, por parecer que não integra a dimensão física da realidade. É uma dificuldade a que temos de dar resposta, até porque mais que uma vez os textos do magistério apelam à utilização dos meios digitais:
«A Internet é relevante para muitas atividades e programas da Igreja — a evangelização, incluindo a reevangelização e a nova evangelização, e a obra missionária tradicional ad gentes, a catequese e outros tipos de educação, notícias e informações, apologética, governo e administração, assim como algumas formas de conselho pastoral e de direção espiritual. Não obstante a realidade virtual do espaço cibernético não possa substituir a comunidade interpessoal concreta, a realidade da encarnação dos sacramentos e a liturgia, ou a proclamação imediata e direta do Evangelho, contudo pode completá-las, atraindo as pessoas para uma experiência mais integral da vida de fé e enriquecendo a vida religiosa dos utentes»[1].
Da reflexão sobre a posição oficial da Igreja a respeito da internet, a primeira ideia a destacar é o claro benefício que a Web tem para a missão da Igreja e a sua relevância para a formação dos cristãos. Mas, para isso, pressupõe-se uma compreensão mais profunda desta nova etapa cultural em que vivemos, a denominada sociedade em rede. Aqui, para os cristãos, a comunhão e a sua expressão na autêntica cultura do encontro (Cf. EG 220) é, seguramente, um dos maiores desafios.
O que o mundo digital evidencia, antes de mais, é a natureza comunicativa do ser humano, pois só ele é capaz de assumir e negociar relações complexas e ambientes sociais[2]. Mas a história da Web recorda-nos um detalhe interessante: comunicar é interagir, criar relação[3]. A vontade de comunicar faz com que o indivíduo não se limite a ser um receptor (Web 1.0), antes deseje interagir (Web 2.0), pelo que a capacidade de interação, de criar e manter relações, se tornou a característica-chave da Web 2.0. Dos mass media, passamos para os cross media.
Este fenómeno leva a uma nova compreensão das categorias de tempoespaço, bem como à assunção de novas linguagens e de novos significados, de um novo universo semântico. Muitas das palavras do mundo digital resultam de processos de ressignificação linguística (e.g. amizade), e inclusive algumas com ressonâncias na gramática religiosa, como seja o caso dos termos “salvar”, “justificar” ou ainda “converter”[4]. A comunicação é um bem de primeira necessidade para o Cristianismo, pois sem comunicar a Igreja não realiza a sua missão.


[1]Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, «Igreja e Internet», in L’Osservatore Romano, ed. em português, 16 de março de 2002, 5.
[2]Cf. K. AlbrechtSocial Intelligence: The new Science of Sucess, ed. Jossey-Bass, San Francisco 2006, 211-215.
[3]Cf. P. Watzlawick, et al, Pragmática da comunicação humana. Um Estudo dos Padrões, Patologias e Paradoxos da Interação, ed. Cultrix, São Paulo 19939,20-35.
[4]Cf. A. SpadaroCyberteologia. Pensare il cristianismo al tempo della rete[eBook],ed. Vita e Pensiero, Milano 2012,22-24.

A educação cristã na Web III

A fé cristã, ao ser sobretudo uma experiência de relação, não pode ser vertida, sem mais, para um suporte digital[1], sob qualquer formato, porque não obterá o resultado esperado: a transmissão. Mas ao usar a «linguagem do amor, como linguagem das experiências fundamentais do homem, que é infinitamente variada, precisa de todos os sentidos, e de todos os registos expressivos, ainda que seja para se aproximar àquilo que quer dizer»[2]. O amor pede a atualização do virtual, no atual de cada história pessoal, porque a linguagem do amor, «como a linguagem religiosa, tem necessidade de uma comunicação pessoal e corporal»[3]. A Web, como meio, tem antes a capacidade de ser o catalisador positivo, porque, numa cultura de paradigma informacional[4], pode potenciar os processos de transmissão, ao ser o meio dominante.


[1]Cf. R. Laurita, «La comunicazione della fede: evangelizzare efficacemente nel tempo dei new media», in Credere Ogggi32, 2 (2012) 36.
[2]J.LynchIl profumo dei limoni. Tecnologia e rapporti umani nell’era di Facebook, ed. Lindau, Torino 2011, 84; Cf. L. Grosso García,«El amor: eje articulador de la educación. Apuntes para una pedagogía del amor», in Teología y Catequesis115 (2010) 37-50.
[3]R. Laurita,«La comunicazione della fede: evangelizzare efficacemente nel tempo dei new media», in Credere Ogggi32, 2 (2012), 38.
[4]M.CastellsA Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. A Sociedade em Rede, Vol. I, ed. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa 20073, 225-230.

A educação cristã na Web II

A fé, ao ser percebida como relação, postula um processo de transmissão, e este é-o na medida em que supera o tempo e o espaço[1], o que evidencia a importância e o significado da tradição que, de si, inclui algo próximo à educação. Razão pela qual a educação da fé e a formação dos educadores da fé deve ter como solo privilegiado a reflexão sobre a transmissão da fé, nas suas diversas coordenadas: pessoal, eclesial e de conteúdo. Estas coordenadas assumem enfoques diferentes ao serem integradas na cultura digital, promovida pelo paradigma informacional[2]. Surge algo de novo, a que a instituição eclesial, apesar dos reiterados apelos do Magistério[3], ainda não foi capaz de dar uma resposta satisfatória, pelo menos no que à educação cristã diz respeito. Se à tradição importassem apenas os conhecimentos (fides quae), a Internet vista como mera substituição de suporte, não só não ofereceria dificuldade como traria grandes vantagens; mas importa também a adesão vital (fides qua), sem a qual não é possível a experiência de fé no Deus de Jesus Cristo. Para a educação e transmissão da fé não basta, então, dizer; é preciso suscitar a fé[4], promovendo o diálogo através de uma proposta significativa para cada indivíduo. Pela narração da experiência pessoal de fé — pelo testemunho — convida-se outros à experiência de Deus. 
O papa Francisco desafia os agentes pastorais a exercitar-se 
«na arte de escutar, que é mais do que ouvir. Escutar, na comunicação com o outro, é a capacidade do coração que torna possível a proximidade, sem a qual não existe um verdadeiro encontro espiritual. Escutar ajuda-nos a individuar o gesto e a palavra oportunos que nos desinstalam da cómoda condição de espectadores. Só a partir desta escuta respeitosa e compassiva é que se pode encontrar os caminhos para um crescimento genuíno, despertar o desejo do ideal cristão, o anseio de corresponder plenamente ao amor de Deus e o desejo de desenvolver o melhor de quanto Deus semeou na nossa própria vida» (EG 171).
Este é o objetivo da evangelização, a ser integrado quando se recorre às novas tecnologias, que não são meros instrumentos. Antes promovem um determinado estilo de sociedade, a qual, e através da qual, é preciso evangelizar[5]. Mas este é um processo comunitário, logo responsabilidade de todo o corpo eclesial, onde cada sujeito é convidado a contribuir com a narração da sua experiência de Deus, com o seu testemunho. Esta experiência só o é plenamente quando integrada numa comunidade eclesial que aprende, celebra, vive e reza (Cf. Act 2, 42-47) a presença transformadora do Deus que se dá a conhecer na história e faz desta o lugar de encontro com Ele (Cf. GS 4). A recepção da tradição dá um significado novo às experiências pessoais, relidas a partir do acontecimento fundamental, o evento Jesus Cristo. Mas importa ter presente que a experiência do sentido da fé «se exprime por um conhecimento per connaturalitatemde tudo o que guarda a fé, de tipo intuitivo-global e não tanto discursivo e argumentativo»[6], pelo que a objetividade do sentido da fé e a sua indefectibilidade são expressões da realidade da redenção operada por meio da Encarnação e do dom do Espírito Santo. O Evangelho tem, então, uma oportunidade neste mundo da globalização digital, porque se trata de «dar forma históricaà manifestação do Amor de Deus no evento humano»[7]; daí a importância da narração, como auto-compreensão e como testemunho[8]. Neste contexto, 
«o exercício correto do sensus fideidepende de uma prática da fé que corresponda autenticamente à Revelação de Deus, como experiência íntima e eclesial de encontro com o Senhor, metendo em jogo a própria liberdade na adesão pessoal a Cristo, na participação vital no mistério de Deus, conhecido porque amado»[9].


[1]Cf. R. DebrayTransmettre, ed. Odile Jacob, Paris 1997; W. Moser, «Transmettre et communiquer. Chassés-crisés conceptuales à partir de Régis Debray», in Intermédialités: Histoire et théorie des arts, des lettres et des techniques5 (2005) 191-206.
[2]Cf. S. Hjarvard, «The mediatization of religion: A theory of the media as agents of religious change», in Northern Lights: Film & Media Studies Yearbook6, 1 (2008) 9-26; M. Lövheim, «Mediatisation of religion: A critical appraisal», in Culture and Religion12, 2 (2011) 153-166; G. Lynch, «What can we learn from the mediatisation of religione debate?», in Culture and Religion12, 2 (2011) 203-210.
[3]Veja-se, a este propósito, as Mensagens papais para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, sobretudo a partir de 2002, bem como os documentos «Ética na Internet» e «Igreja e Internet», publicados nesse mesmo ano pelo Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais.
[4]Conferência Episcopal Portuguesa, «Para que acreditem e tenham vida. Orientações para a catequese actual», in IdemDocumentos Pastorais. VI Volume 2002-2005, 253-278.
[5]Cf. D. ZanonO impacto da sociedade em rede sobre a Igreja católica. Elementos para uma cibereclesiologia, ed. Paulus, Lisboa 2012.
[6]A.Staglianò, «Sensus fideicristiano in tempo di globalizzazione», in C. Giuliodori, et al. (ed.), Globalizzazione, Comunicazione e tradizione, ed. San Paolo, Milano 2004, 199.
[7]Ibidem, 206.
[8]Cf. P. Ricoeur, «L’identité narrative», in Esprit7-8 (1988) 295-304; IdemSoi-même comme un autre, ed. du Seuil, Paris 1990.
[9]A.Staglianò, «Sensus fideicristiano in tempo di globalizzazione», in C. Giuliodori, et al. (ed.), Globalizzazione, Comunicazione e tradizione, ed. San Paolo, Milano 2004, 200; Cf. DV 8; LG 12.

A educação cristã na Web

O facto de que a Igreja exista para evangelizar (Cf. EN 14) leva a que as reflexões produzidas pela Teologia Prática tenham a transmissão da fé como pano de fundo, em torno do qual, ou ao serviço do qual, realiza o seu trabalho. É neste quadro que nos inserimos, procurando perceber até que ponto o digital, entendido aqui no sentido amplo e cultural, pode ser utilizado na educação cristã. 
Na cultura digital, o processo de ensino e aprendizagem — quer na aprendizagem ao longo da vida, quer na aprendizagem informal — dá destaque ao que Manuel Castells denomina por “nós”. Estes podem ser bibliotecas, organizações, pessoas, sítios da internet, livros, revistas; numa palavra, tudo a que se possa recorrer para resolver um problema ou descobrir algo que se quer aprender. A importância de cada “nó” depende, não das suas características especiais, «mas da sua capacidade para os objetivos da rede»[1], daquilo que aporta e potencia. 
As redes, como estruturas abertas, promovem organizações sociais dinâmicas e abertas, muito suscetíveis à inovação e à expansão, o que coloca o problema da identidade, e da sua manutenção, com tudo o que isso implica na missão da Igreja ao serviço à fé, para que a identidade continue a ser cristã e não outra, no ambiente digital.
Este ambiente, na ligação com os outros ambientes com os quais o indivíduo interage, continua a ter um tempo e um espaço próprios. O espaço, embora imaterial, continua a ser o suporte das práticas que acontecem em simultâneo e que estão interligadas, ao passo que o tempo deverá ser compreendido como uma sequência de práticas, se bem que no tempo intemporal deixa de haver uma sequencia cronológica, para se privilegiar a simultaneidade, o perpétuo presente. 


[1]M.Castelles, «Informacionalismo, redes y sociedade red: una propuesta teórica», in M. Castelles(ed.),La sociedad red: una visión global, Alianza Editorial, Madrid 2006, 27.

Vida Religiosa, imagem da Igreja

Só a partir da Pessoa e da palavra de Cristo é que a vida religiosa pode ser compreendida e ter algum sentido perceptível. Com o anúncio e a presença do Reino de Deus cria-se uma nova situação, irrompe uma novidade no mundo, que dá origem à compreensão de um novo estilo de vida, uma nova forma de habitar o mundo ao estilo de Cristo. A vida religiosa é a manifestação permanente e social da vitalidade intrínseca da Igreja, da sua força em Cristo e da consumação dos bens do Reino esperado.
 É  expectável que cada cristão adira a Deus, pela comunhão de fé, não sem o seu quê de dramático em algumas situações, o que torna perceptível que o que fundamenta a fé não é uma doutrina, mas uma Pessoa. Logo, o fundamento e a razão de ser da vida consagrada não são as instituições nem as missões, mas uma Pessoa: Jesus Cristo.

É a partir de Jesus Cristo que se pode tentar compreender a vida religiosa, tudo o mais é inútil. É por isso que os consagrados, na sua entrega total e definitiva a Deus, são sinal. Não porque vivam de maneira diferente, mas porque são diferentes porque vivem de Jesus, a partir d’Ele, num amor pobre, casto e obediente. Como a Igreja também o chamada a viver.