Modelos de formação cristã e culturas contemporâneas – II

Mentalidade científica

Em segundo lugar, poderíamos salientar, dos elementos do nosso contexto cultural, o facto de se ter alargado significativamente – pelo menos do ponto de vista quantitativo – a formação científica e intelectual dos habitantes do mundo ocidental. A denominada «democratização» do ensino permitiu o acesso de todos a uma formação básica e mesmo superior, o que altera fortemente o modo de ser do ouvinte da Palavra que evangeliza.

Para além disso, sobretudo no nosso mundo ocidental, a formação intelectual é predominantemente uma formação crítica, cientifista, de modo especial em relação à atitude religiosa. Se é certo que essa crítica originou, frequentemente, conflitos indesejáveis, não é menos certo que também deu um contributo positivo para o aprofundamento do conteúdo da fé cristã e da respectiva validade, sem o imunizar numa comunidade fechada ao resto do mundo.
Os modelos de transmissão da fé, na actualidade cultural, não poderão ignorar esta dimensão crítica, presente nos ouvintes e mesmo a ser fomentada pela própria fé. Aliás, inserindo-se na tradição profética, o conteúdo da fé cristã é sempre um conteúdo crítico, mesmo relativamente a si próprio, às instituições que o mediatizam e às pessoas que o vivem. Esta atitude promoverá uma maior visibilidade cristã para aqueles que estão à busca de sentido, potenciais ouvintes da Palavra.
Assim sendo, a racionalidade teológica, em diálogo fecundo com outras racionalidades científicas, deverá acompanhar cada vez mais o processo de transmissão da fé, sob pena de transformarmos o seu conteúdo num conjunto de banalidades sem profundidade humana e sem capacidade de debate público e intelectualmente honesto.

A Igreja contemporânea nunca poderá esquecer que, mesmo sem falsos exclusivismos e intelectualismos, a formação teológica dos fiéis cristãos constitui uma prioridade para a construção sólida do futuro, na transmissão da fé às gerações vindouras. O maior perigo para a falsificação da fé ou a derrapagem para a indiferença não é – nunca o foi, mas hoje menos do que nunca – o aprofundamento crítico, mas a sua ausência.

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