Uma cultura com sentido

A sociedade actual é animada pela comunicação, e apesar de se terem descoberto nela limitações, contradições e práticas que a obrigam a adaptar-se e a transformar-se, muitas das suas estratégias permanecem ainda ocultas, ambíguas. Muitas das suas consequências são-nos ainda desconhecidas. É necessário compreendê-las, uma vez que a mentalidade resultante daqui modela a cultura, e os modos de pensar tornam-se diferentes dos do passado: a técnica progrediu tanto que transforma a face da terra e tenta já dominar o espaço.
O progresso que se faz sentir é imparável: a ciência e a técnica continuarão a desenvolver-se segundo uma lógica que lhes é imanente e necessária, na qual cada indivíduo é chamado a tomar responsabilidades. Importa achar os meios mais adequados para lhes limitar os danos. Assim, o mundo tecnológico apresenta-se como algo de enigmático aos nossos olhos, tanto mais que acarreta consigo um estado de crise preocupante. Esta é-o porque não tem paralelo com nenhuma época anterior. A especificidade desta vem-lhe da enorme mudança que a caracteriza.
A resposta à questão do sentido era, normalmente, herdada do ambiente familiar, social ou religioso circundante. Há, pois, uma infinidade de sentidos, desde os primórdios da humanidade até hoje. Exemplos disso são a história das religiões, da filosofia e da literatura. E mesmo da arte. Hoje não é assim.
Perante as diversas vagas de sentido, que chegam até a contradizer-se, surge a inevitável pergunta se não haverá um verdadeiro sentido que acabe por se impor? Pode surgir a postura que reconhece o homem sedento de absoluto, que não se realiza nesta vida, sem contudo negar a possibilidade de vir a realizar-se. Perante a morte, a radicalidade do problema humano faz emergir na consciência a aspiração que o habita: realizar-se infinitamente. «Queria era sentir-me ligado a um destino extra-biológico, a uma vida que não acabasse com a última pancada do coração»(Miguel Torga).
A partir da morte pode reconhecer-se, também, a impotência do homem para construir sozinho a sua realização. «O homem é um animal compartilhante. Necessita de sentir as pancadas do coração sincronizadas com as doutros corações, mesmo que sejam corações oceânicos, insensíveis a mágoas de gente. Embora oco de sentido, o rufar dos tambores ajuda a caminhar. Era um parceiro de vida que eu precisava agora, oco tambor que fosse, com o qual acertasse o passo da inquietação»(Miguel Torga). É aqui se abrem duas hipóteses: ou o homem reconhece que a vida terrena – projecto e aspiração a ser mais – tem sentido e abre a possibilidade da esperança de um futuro transcendente; ou aceita que a vida não tem sentido e é o desespero total.
A descoberta do sentido para a vida, integrando o sentido da morte, revela a precariedade e a finitude de uma vida sobre a qual assenta o desejo de absoluto que se espera. É a descoberta da liberdade ansiada, aquela que se tem devido a uma liberdade transcendente. O desejo de liberdade infinita do homem dá lugar à descoberta da condição de possibilidade da liberdade humana: Deus. A realização humana surge a partir do ser pessoa, da relação.
Mas o sentido é um dom, oferecido pelo mistério do Verbo encarnado. «Na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente. […] Cristo, novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e descobre-lhe a vocação sublime»(GS 22). O mistério do homem revela-se através do mistério de Cristo, chamado a participar da sua filiação. Quando o homem descobre que é amado pelo Pai, em Cristo e através do Espírito, revela-se a si mesmo, descobre a grandeza de ser objecto da benignidade divina, receptor do amor do Pai revelado em Cristo. O mistério trinitário é o único capaz de realizar o homem, é o «mistério iluminador» do sentido (René Latourelle). A expressão desse mistério faz-se pela vivência da comunhão, onde o ser «não sem os outros» (Michael de Certaux) impele para a solidariedade e para o diálogo. Miguel Torga escreve que «a Bíblia, o livro dos livros, nos ensina que não há homem sem homem, e que o próprio Cristo teve, a caminho do Calvário, a fortuna dum cireneu para o aliviar do peso da cruz (a dor incurável da solidão). Para mim, pelo menos – continua Torga -, feito dum barro tão frágil e vulnerável, que necessito de ser amado durante a vida e de acalentar a esperança de continuar a sê-lo depois da morte».
Jesus Cristo, através da sua vida e pregação, é o mediador do sentido, o único intérprete dos problemas humanos. Em Cristo, o homem pode compreender, realizar e superar-se continuamente; pode ver, por fim, realizada a sua identidade. O ser insaciado, sacia-se.
Falar do homem é falar de comunicação, já que o ser humano não pode passar sem comunicar; partilhando com o outro as suas intuições, verifica a sua validade. É este exercício que impele o homem para uma vida comunitária.
À teologia cabe o «estudo sobre Deus», de um Deus que quer estar em relação estreita com o homem: por isso, as questões deste devem ser tidas em conta por aquela ciência, em ordem a uma oferta de alternativas válidas, dialogadas com as categorias de pensamento usadas pelo homem contemporâneo.
Deus, numa relação de amor salvífico com o homem, sai do Seu mistério, revelando-Se. O homem, convertendo-se, responde com a fé à verdade transformadora. Por isso, continua a ser tarefa prioritária dizer, hoje, a Revelação.
A Palavra de Deus apresenta-se, no Antigo Testamento, sob muitos aspectos, mas mantém a característica de ser uma palavra que, simultaneamente, revela e esconde: não se deixa reduzir a simples significados verbais. No Novo Testamento, esvai-se a diferença de níveis de comunicação entre Deus e o homem, provenientes das diferentes naturezas. Jesus Cristo possibilita o encontro face-a-face de Deus com o homem, numa comunicação em que o emissor e o receptor se situam nas mesmas coordenadas de espaço e de tempo. Assim, Cristo é o comunicador perfeito, «na medida em que nele encontramos concentrada e realizada a imagem da possibilidade de realização da comunicação ideal» (M. Carnicella), expressão da totalidade, sem lugar para equívocos.
«Sabendo Jesus que chegara a Sua hora de passar deste mundo para o Pai, Ele que amara os Seus que estavam no mundo, levou até ao extremo o Seu amor por Eles»(Jo13 , 1). E o auge da doação: «a palavra articulada faz-se palavra imolada» (René Latourelle). Na Cruz, Jesus Cristo mostra o amor de Deus aos homens; a palavra de Deus esgota-se até ao silêncio. A hora da morte e do silêncio é a suprema expressão do amor oferecido à humanidade. Aquilo que na comunicação divina é incomunicável diz-se agora com os braços estendidos e o corpo dilacerado.
No acontecimento ressurreição – onde a humanidade de Cristo se torna veículo para a expressão e manifestação da Sua divindade -, Cristo ratifica-se como código e como chave interpretativa do código que permite penetrar a mensagem divina sem equívocos.
Face a Cristo, o «comunicador perfeito», subsistem ainda ruídos, provenientes do homem, da sua mesquinhez, do medo e da incapacidade para se interrogar. A comunicação perfeita só se realiza num contexto escatológico, onde o ruído é anulado e o homem entra em comunhão perfeita com Deus, num perpétuo e sempre novo diálogo.
À luz deste acontecimento, a relação entre o homem e Deus é, pois, reflexo do diálogo trinitário, gerador de comunhão amorosa, na qual o homem é chamado a participar. Apesar da dificuldade do cidadão hodierno – fechado sobre si e incapaz de se situar perante o dom -, é preciso continuar a anunciar o Deus que se fez homem e que diviniza a humanidade pela comunicação do seu ser pessoal.
Dizer esta notícia, com honras de primeira página, obriga a descobrir, em conjunto com os vários saberes, outros métodos de comunicar, que integrem a fé e evitem o absurdo. Processo capaz de ser realizado por aqueles que falam como se vissem o invisível, sempre em busca de novos métodos de contar a verdade, marcados sempre pelo imprevisível.
Nesta dinâmica, o cidadão «acabará por sentir, no mais íntimo da sua humanidade, o apelo duma Proposta transcendente, que foi por vezes rejeitada enquanto expressa em paradigmas ultrapassados, mas que surge agora, nova e disponível, para a reinvenção do futuro»(Luís Archer). De um futuro com um Deus tão transcendente que não se deixa reduzir a simples verbalizações que aprisionam, mas tão próximo que chama cada homem, do âmago de uma nova cultura, a uma comunicação libertadora.
A fé, deste modo, não só dialoga com as diversas culturas como é capaz de gerar uma nova cultura.

Catequese e Comunidade

Na próxima terça-feira, 5 de Julho, reúnem-se em Bragança os responsáveis pelos Serviços Diocesanos de Catequese, das Dioceses do Norte de Portugal.
O responsável,
P.e Manuel Queirós da Costa, da Diocese de Vila Real, enviou o texto que se segue para reflexão e posterior debate.
Partilho-o com todos os interessados. Se quiserem enviar algum comentário, estejam à vontade.

1. Ao proclamar o Evangelho, Jesus Cristo partilha a sua missão com a comunidade dos discípulos: os doze (Mt 10,1) o grupo mais alargado que segue Jesus (Mt 8,22), os setenta e dois (Lc 10,1), as mulheres que O acompanham (Lc 8,1-3).

2. A Igreja nascente recebe do Senhor Ressuscitado a missão de fazer discípulos de todas as nações (Mt 28,19-20;DGC 34). O processo de evangelização, pelo qual se transmite a fé, inclui etapas distintas: o primeiro anúncio do Evangelho (sementeira da Palavra) cumpre-se de forma básica e fundamental na catequese (crescimento e maturação que produz fruto). Existe uma relação tão profunda entre evangelização e catequese que se pode comparar ao grão e à espiga (ver Mc 4,1-20). A catequese, para baptizados ou para quem se prepara para receber o baptismo, implica uma entrega viva do Evangelho e de todo o Evangelho aos homens (DGC 78,105 e 111).
3. O texto bíblico mais citado pelo Concílio Vaticano II é Act 2, 42-47 que recolhe a experiência da primeira comunidade cristã. O concílio refere-se a este texto quando se pronuncia sobre o que deve ser a Igreja (LG 13;DV 10), a vida do sacerdote (PO 17 y 21), do missionário (AG 25) e a vida religiosa (PC 15). O Concilio foi aliás convocado para devolver ao rosto da Igreja de Cristo todo o seu esplendor, revelando as características mais puras e mais simples da sua origem (João XXIII, Discurso preparatório, 13-11-1960).
4. As primeiras comunidades são constituídas por grupos de homens e mulheres que se reúnem no dia do Senhor (Ap 1,7). Entre todos estabelece-se una relação de fraternidade. Deste modo, o mistério de comunhão que constitui a Igreja (ver LG 1) torna-se visível também aos olhos dos não crentes, que dizem: «Vede como eles se amam! São como que uma grande família». A Igreja não é exército (relação de comando: superior – subordinado) não é escola (relação de ensino: mestre – discípulo) mas é comunidade (relação de fraternidade).
5. O fundamento dessa comunhão, o que verdadeiramente aglutina a nova família dos discípulos, é a Palavra de Deus: «Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática» (Lc 8,21). Quem acolhe a Palavra, vincula-se à comunidade.
6. Nas primeiras comunidades, a Palavra de Deus faz-se experiência de Cristo (Act 2,36) e experiência de conversão (2,38). A comunidade é lugar de perdão e da acção do Espírito (Act 2,38). É lugar de ensino, de comunhão, de celebração e de oração (2,38.42). Na comunidade há sinais (2,45), que confirmam a Palavra anunciada. A comunhão de corações traduz-se numa efectiva comunicação de bens (2,44 e 4,32). A comunidade acolhe e incorpora os novos membros (2,47).
7. As primeiras comunidades são minoria dentro da sociedade, encontram-se em situação política e religiosa adversa. Porém, são como uma cidade levantada no alto de um monte (Mt 5,14), como levedura na massa (Lc 13,21). Dá-se nelas um forte processo de evangelização quer de adultos, quer de crianças. A catequese faz-se por imersão na vida da comunidade (Act 2,46; ver 12, 12; 1 Cor 16,19; Flm 2; Col 4,15).
8. Sendo comunidade, a Igreja é luz das gentes (LG 1), sinal levantado no meio das nações (SC 2), sacramento universal de salvação (GS 45). Não é o indivíduo mas sim a comunidade que pode evangelizar. Não é o indivíduo mas sim a comunidade que renova profundamente a Igreja. A comunidade é o grande sinal do Evangelho oferecido à humanidade.
9. No Sínodo de 1977 a comunidade eclesial viva é considerada como o lugar principal de catequização: «Como para a evangelização também a catequese, são da maior importância as comunidades eclesiais de base. De facto, dentro delas, sentem-se os cristãos Igreja, de modo pessoal, contagiam-se na experiência da fé e educam-se no amor fraterno» (Prop. 29) No nosso tempo, é preciso refazer o tecido comunitário da Igreja. Sem tecido comunitário, vê-se o esqueleto à Igreja e, em vez de atrair, espanta (ver Ez 37,11). O Sínodo da catequese foi crítico com a situação actual da paróquia, necessitada de profunda renovação: De facto, muitas paróquias, por diversas razões, estão longe de constituir uma verdadeira comunidade cristã. No entanto, a via ideal para renovar esta dimensão comunitária da paróquia poderá passar por fazer dela uma comunidade de pequenas comunidades (Prop. 29;ChL 26, 34; DGC 258).
10. A comunidade é a origem, o lugar e a meta da catequese (DGC 254). Em primeiro lugar, é a origem. O catequista não actua em seu próprio nome mas em nome da comunidade cristã e, portanto, em nome da Igreja (local e universal): Quando o mais humilde catequista…reúne a sua pequena comunidade, mesmo sozinho, exerce um acto de Igreja (EN 60; DGC 253,254,261,263 e 264). Mais, o catequista está entroncado numa tradição viva, que remonta aos apóstolos. Pode dizer como Paulo: Transmiti-vos o que eu mesmo recebi (1 Cor 15,3).
11. A comunidade é o lugar ou âmbito normal da catequese (MPD 13). É como o seio materno onde se faz a gestação do homem novo por meio da Palavra de Deus viva e permanente (I Pe 1, 23). É a piscina de Siloé na qual o cego de nascença cura sua cegueira original (Jo 9,7). O testemunho da comunidade é fundamental.

12. A comunidade é a meta da catequese: «A catequese corre o risco de se esterilizar, se uma comunidade de fé e vida cristã não acolher o catecúmeno a certo passo da sua catequização. É por isto que a comunidade eclesial, a todos os níveis, é duplamente responsável em relação à catequese: antes de mais, tem a responsabilidade de prover à formação dos próprios membros; depois, também a de os acolher num meio ambiente em que possam viver o mais plenamente possível aquilo que aprenderam» (CT 24). A catequese cria comunidade (se não existe) e renova-a (se já existe). Enfim, a catequese conduz à maturidade da fé da comunidade e de cada fiel.

Algumas questões para o debate:

– O que é uma comunidade cristã? Quais as suas características principais?
– Que importância tem para a iniciação cristã?
– Qual o seu papel na transmissão da fé?
– Que desafios se colocam hoje à catequese?
– Os catequistas vivem a experiência comunitária que desejam transmitir?

Uma pedagogia para a Iniciação Cristã – Conclusão

Concluo dizendo que convém ter presente que a catequese de iniciação tem uns objectivos que, para além da socialização religiosa, contempla o desenvolver a graça baptismal, através da evangelização, realizando uma primeira síntese de fé pessoal, a personalização da fé, juntamente com a iniciação sacramental.
Os conteúdos são eminentemente educativos, com o objectivo de desenvolver aqueles recursos humanos que formam o substrato antropológico da vida de fé. Ter-se-á em conta a História Sagrada, apresentando a narração dos acontecimentos e as personagens de uma forma existencial e orante. Também se deve procurar apresentar Jesus Cristo, de forma inicial e sistemática, na totalidade do seu Mistério (Salvador e Redentor). Apresentar-se-á a Igreja e a vida eterna. A iniciação sacramental será também tida em conta, pelo que se apresentam os sacramentos da Igreja e se ensina a participar neles, apresenta-se também a liturgia, dando atenção ao rito, ao sinal, ao símbolo e à representação. Acima de tudo, tendo presente que a liturgia é o catecismo vivo, faz-se a relação entre o que se celebra e o que acredita.

Uma pedagogia para a Iniciação Cristã – V

Por último, na coordenada psico-pedagógica vamos ter presente que se trata de uma pedagogia integral e de uma pedagogia da fé.
A pedagogia precisa de ser integral, ou seja, que verse o saber (cognitivo-intelectual), o ser (afectividade, sentimentos e valores) e o fazer (comportamentos). Esta pedagogia precisa de ser equilibrada, na fidelidade ao homem e a Deus (lei da encarnação).
A pedagogia da fé é o modo de acompanhar o catequizando em ordem à profissão de fé, com os critérios próprios da fé. Para isso bebe da pedagogia de Deus e da pedagogia da Igreja. Daqui que não se pode ser mestre e pedagogo da fé dos outros se não se é discípulo convicto e fiel de Cristo na Sua Igreja(cf DGC 142).
Esta pedagogia deve ser considerada como o processo de amadurecimento e de crescimento na fé, desenvolvido de maneira gradual e por etapas; inspira-se, como fonte e modelo, na pedagogia de Deus manifestada em Cristo e na vida da Igreja, e conta com a acção do Espírito Santo na Comunidade e em cada cristão. A comunidade ajuda com o exemplo e a oração para que se dê o passo do homem velho para o homem novo, lutando contra o mal, com a ajuda da graça de Deus, em ordem a fazer a experiência alegre de ser salvo por Jesus Cristo.
A pedagogia catequética deve conseguir alcançar os três objectivos: instruir, transmitindo informação e conhecimentos seguros, transmitindo certezas e convicções; iniciar, levar cada catequizando a transformar-se no homem novo, realizando a conversão de toda a sua personalidade, a conversão do coração; por último deve também educar, ou seja, formar a pessoa e propondo-lhe novos comportamentos conformes à fé que aprende a professar.
Os objectivos, para além da socialização religiosa, são o desenvolver a graça baptismal, através da evangelização, realizando uma primeira síntese de fé, de forma pessoal, a personalização da fé, juntamente com a iniciação sacramental.
Os conteúdos são eminentemente educativos, com o objectivo de desenvolver aqueles recursos humanos que formam o substrato antropológico da vida de fé. Ter-se-á em conta a História Sagrada, apresentando a narração dos acontecimentos e as personagens de uma forma existencial e orante. Também se deve procurar apresentar Jesus Cristo, de forma inicial e sistemática, na totalidade do seu Mistério (Salvador e Redentor). Apresentar-se-á a Igreja e a vida eterna. A iniciação sacramental será também tida em conta, pelo que se apresentam os sacramentos da Igreja e se ensina a participar neles, apresenta-se também a liturgia, dando atenção ao rito, ao sinal, ao símbolo e à representação.
Acima de tudo, tendo presente que a liturgia é o catecismo vivo, faz-se a relação entre aquilo que se reza e aquilo em que se crê.

Uma pedagogia para a Iniciação Cristã – IV

Chegou a vez da dimensão espiritual. Convém ter bem presente que a eficácia da catequese é e será sempre um dom Deus, mediante a acção do Espírito Santo, sem o qual não é possível fazer catequese ou qualquer outra acção evangelizadora, por muito elaborados que estejam os planos e por mais sofisticados que sejam os meios humanos e materiais. Sem Espírito nada se consegue, pois o Espírito Santo é o protagonista de toda a missão da Igreja(cf RM 21); é o mestre interior, principal catequista e princípio inspirador de todas as actividades catequéticas.

O Catequista
Convém recordar também o papel do catequista, que é elemento essencial da catequese, o catecismo vivo: enviado pela Igreja, numa comunidade concreta, realiza a sua vocação profética no seu grupo de catequese, onde anuncia, ilumina, persuade, testemunha, colabora com a função da comunidade cristã. Para que haja, pois, iniciação cristã é preciso um iniciador, chamado catequista, que é a alma da catequese. Aquele que é «chamado a ensinar Cristo deve, portanto, antes de mais nada, procurar esse lucro sobreeminente que é o conhecimento de Jesus Cristo. Tem de aceitar perder tudo (…) para ganhar a Cristo e encontrar-se nEle e conhecê-Lo, a Ele, na força da sua ressurreição e na comunhão com os sofrimentos, conformar-se com Ele na morte, na esperança de chegar a ressuscitar dos mortos»(CCE 428). O catequista é, então, uma pessoa de fé profunda, que conhece os mistérios de Deus e vive em plena comunhão com eles, emergido no amor de Deus. Vive-os em Igreja, por isso é dotado de uma clara identidade cristã e eclesial, pelo que nada do que é humano lhe é alheio, logo possui uma profunda sensibilidade social(cf DGC 237). O catequista respeita e vive de «um princípio essencial da visão cristã da vida: o primado da graça»(NMI 38).
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(c) 2003 – Pedro Nogueira

Uma pedagogia para a Iniciação Cristã – III

A coordenada catequética centra a sua atenção no específico da catequese que é o estar ao serviço da iniciação cristã, tendo presente que a fé é um dom de Deus. Esta iniciativa divina e primeira do Pai verifica-se nas palavras e gestos que Jesus Cristo ressuscitado realiza na Igreja, sua Esposa e nossa Mãe, que, sob a acção do Espírito Santo, guia e conduz aqueles que são chamados a entrar na comunhão de vida trinitária.
A Igreja, através da iniciação cristã, manifesta a sua identidade de mãe e, enquanto incorpora o homem a Cristo, incorpora-o no Corpo de Cristo; enquanto gera cristãos, edifica a Igreja, de modo que podemos afirmar que pela iniciação cristã a Igreja gera a Igreja.
A Igreja realiza esta missão através de duas funções pastorais intimamente relacionadas: a catequese e a liturgia. A catequese é um elemento imprescindível da iniciação cristã e está vinculada aos sacramentos de iniciação.
A catequese é, então, uma formação orgânica e sistemática na fé, mas mais que um mero ensino, pois é uma aprendizagem de toda a vida cristã, uma iniciação cristã integral. Ajuda o discípulo de Cristo a transformar o homem velho, assumindo os seus compromissos baptismais e a professar a fé a partir do coração. É ainda uma formação de base essencial, centrada no essencial da experiência cristã, nas certezas mais profundas da fé e nos valores evangélicos mais fundamentais. Habilita o catequizando a receber o sólido alimento posterior, na vida ordinária da comunidade eclesial, à qual também inicia. Ou seja, incorpora na comunidade que confessa, celebra, vive e ora a fé, e dela dá testemunho.
Este itinerário, todo ele eclesial, leva à incorporação efectiva e afectiva do catequizando no Mistério de Deus, e tem no catecumenado baptismal o seu modelo inpirador(cf DGC 90).
Desde os tempos apostólicos, o «tornar-se cristão» exige um caminho de iniciação, com diversas etapas, que pode ser percorrido rápida ou lentamente (cf CCE 1229). E uma vez que é um processo de conversão é essencialmente gradual e cristocêntrico, porque está ao serviço daquele que decidiu seguir Cristo, em ordem à personalização da fé, com a ajuda dos catequistas, que são os testemunhos e pontos de referência, que ajudam a integrar fé e vida, a criar identidade cristã.

Despertar Religioso
A preceder esta etapa catequética de iniciação cristã deve realizar-se o despertar religioso, no seio familiar, onde a criança recebeu os primeiros rudimentos da fé, as breves orações com as quais aprende a dialogar com Deus, desenvolveu os inícios da educação da consciência moral, entre outras. Esta educação cristã é mais testemunhal que instrutiva, mais ocasional que sistemática, não está estruturada em períodos, antes é permanente e quotidiana.

Uma pedagogia para a Iniciação Cristã – II

Na dimensão teológica destaca-se que a catequese é um acto de Revelação, de tradição viva, pelo que é inseparável a ortodoxia e a ortopraxis. A catequese tem de ser sempre uma iniciação ordenada e sistemática à revelação que Deus faz de si mesmo à humanidade(cf CT 22). Esta revelação encontra-se na Sagrada Escritura e na Sagrada Tradição(cf DV 8). A catequese, como um acto de transmissão da Revelação, deve acomodar-se ao modelo divino de se revelar, que o faz por obras e palavras intimamente unidas(cf DV 2), e tem o seu ponto culminante em Jesus Cristo. A Jesus Cristo, o homem de todos os tempos, pode aceder-se pela fé transmitida na Igreja, sob a acção do Espírito Santo, tal como a comunidade a recebeu, compreende, celebra, vive e a comunica (cf DGC 105).
De facto, o objectivo da catequese é proporcionar ao catequizando as condições necessárias para, sob a acção do Espírito Santo, chegar à a profissão de fé(cf DGC 66), íntegra e total. Para que isso seja possível, a catequese deve transmitir os sete elementos básicos: as três etapas da história da salvação (dimensão narrativa) e os quatro pilares da fé (dimensão expositiva). Aqui vemos a importância da Sagrada Escritura e do Catecismo da Igreja Católica. A catequese não é outra coisa que a transmissão vital e significativa dos documentos da fé( cf MPD 9), pelo que se pode agrupar em quatro, as linguagens de fé: doutrinal, litúrgica, orante e testemunhal.
Na transmissão da fé, a linguagem é algo imprescindível, a que devemos prestar atenção(cf DGC 208; CT 59). Jesus Cristo não se identifica em exclusiva com nenhuma cultura ou sistema de pensamento, mas revelou-se numa linguagem concreta. Foi certamente uma linguagem original e também normativa para qualquer outra linguagem que pretenda ser veículo da transmissão da Revelação.

Uma pedagogia para a Iniciação Cristã – I

Quando se fala em pedagogia, estamo-nos a referir ao modo de conduzir, organizar e tentar alcançar uns objectivos educativos, pelo que o conceito de pedagogia é mais amplo do que o de didáctica ou de metodologia.
Esta pedagogia é moldada pelo conceito de catequese ao serviço da iniciação cristã, com uns determinados conteúdos e um itinerário.
Para alcançar estes objectivos a pedagogia catequética precisa de instrumentos didácticos, lugares e pessoas que realizem a catequese.
Ao longo dos próximos tempos iremos propor uma determinada pedagogia, dividida em quatro dimensões ou coordenadas: a teológica, a catequética, a espiritual e a psico-pedagógica.
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Algumas Opções de Fundo!

Nos tempos que correm, considero que a Catequese terá que fazer algumas opções de fundo:
– A primeira opção é uma Catequese ao serviço da Iniciação Cristã. A catequese específica que se há-de realizar é a de uma autêntica iniciação ordenada e sistemática à revelação divina que Deus transmite à humanidade, em Jesus Cristo, conservada na Igreja e nas Sagradas Escrituras. Esta revelação é anunciada de geração em geração através de uma tradição viva, da qual a catequese é parte integrante(cf DGC 66). A catequese de iniciação, dentro do processo evangelizador, é o momento em que se estrutura a conversão a Jesus Cristo, num esforço de fundamentação da primeira adesão(cf DGC 63).
O Directório Geral da Catequese, no número 66, diz expressamente: «a catequese é, assim, elemento fundamental da iniciação cristã e está estreitamente ligada com os sacramentos de iniciação, de modo particular com o Baptismo, “sacramento da fé”. O elo que une a catequese ao Baptismo é a profissão de fé, que é, ao mesmo tempo, o elemento interior deste sacramento e o objectivo da catequese. A finalidade da acção catequética consiste precisamente nisto: favorecer uma profissão de fé viva, explícita e actuante. Para alcançar esta finalidade, a Igreja transmite aos catecúmenos e aos catequizandos a sua fé e a sua experiência do Evangelho, a fim de que estes assumam como sua e, por sua vez, a professem»(DGC 66). Por isso, a catequese autêntica é sempre iniciação cristã.

– A segunda opção será pela significatividade da mensagem. Julgo estar ultrapassado o tempo em que para se ser bom cristão bastava dominar intelectualmente os conhecimentos doutrinais. Faz falta algo mais. A mensagem cristã deve poder ser vista por cada crente como uma abertura para a sua vida, uma resposta às suas dúvidas e anseios, uma fonte de valores e de plenitude de vida. Em síntese: a mensagem deve ajudar a descobrir o sentido e o significado da vida. A mensagem cristã deve tocar o saber, mas também o sentir e o querer.

– Um dos flagelos do cristianismo actual é a separação entre a fé e a vida: uma fé que não gera cultura. É certo que o DGC pede que ao cristianismo que se seja capaz de se inculturar nas diversas culturas, potenciando-as e iluminando-as. No nosso contexto, ganham especial destaque os fenómenos da pluralidade cultural, a modernidade e a pós-modernidade (com tudo que isso acarreta), o destaque da cultura mediática, a globalização de fenómenos culturais. Aqui a catequese vê a sua missão redobrada, pois tem de ser capaz de estar, dizer-se e propor-se.

– A catequese é, essencialmente, um processo comunicativo, e a comunicação é vista como uma das realidades mais determinantes e mais estudadas na actualidade, às quais a catequese evangelizadora não se deve alhear: deve repensar a sua identidade e a sua missão neste contexto e à luz das novas exigências. No âmbito catequético destaca-se sobretudo a necessidade de respeitar as regras e a ética da comunicação. No centro desta problemática encontra-se o tema da linguagem e das linguagens da catequese, um problema que toca a medula da comunicação catequética e que está muito longe de ter sido ainda resolvido. Ainda não são frequentes bons exemplos da utilização da linguagem da fé nos nossos ambientes eclesiais.
Por outra parte, experimenta-se também com força a necessidade de promover uma pluralidade de linguagens, superando assim a tradicional unilateralidade da linguagem expositiva magistral e valorizando mais o emprego das linguagens não verbais: a imagem, o som, o símbolo, a expressão corporal, os espaços, e muitas outras.

– Por último, a comunidade cristã, nas suas diversas modalidades, apresenta-se hoje como o lugar por excelência da catequese, enquanto permite uma autêntica experiência de vivência cristã e de aprofundamento na fé (DGC 158, 254). A catequese é, pois, uma actividade de todos os cristãos. Por isso, a catequese não se deve reduzir, ou ser reduzida, a uma actividade individual de uns quantos ou de alguém em particular: a comunidade é o lugar, meta e âmbito da catequese. Esta consciência abre a possibilidade de novos lugares ou vias para realizar a missão catequética.
Talvez seja altura das pequenas comunidades, dentro da Comunidade, assumirem todo o seu valor e potencial e serem, elas próprias, os grandes lugares catequéticos.
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(c) 2005 – Luís Zilhão

Um texto lindo…

[Agradeço o comentário de Absurdo, que aprecio muito. Coloco-o aqui na totalidade]

Através do blogue Eidw fiquei a conhecer o A Catequese em Discussão. É por isso que queria deixar, por aqui, algumas considerações relativas à catequese católica, baseadas na minha própria vivência.Tive catequese do primeiro ao quarto ano, quando fiz a minha primeira comunhão. No ano seguinte, não me quis voltar a inscrever: a catequista mudava, e receava não ter tempo, com o ingresso no segundo ciclo; além disso, é verdade, não via a catequese como algo de muito apelativo para mim, nem sequer como algo importante. Por essa altura era raro ir à missa; fui, por uns tempos, após a primeira comunhão, mas logo deixei de ir.Foi só aos treze anos que senti como que uma chamada, e comecei a dedicar-me com maior fé às coisas da religião – até então, vivia num estado de profundo desligamento. Foi nessa altura que comecei a ler a Bíblia, que encarava, primeiramente, como fonte de cultura. Ora, o tempo foi-se passando, e o meu interesse e a minha fé crescendo. Então, um ano depois, decidi que haveria de retomar a minha formação católica (no entanto, inercialmente, nada de missas: sentia-me retraído para dizer a minha mãe onde ia). Mas firme ficou a decisão de me inscrever na catequese no ano seguinte – ou seja, no décimo ano. O objectivo era um: receber o Crisma. Sentia que isso seria a melhor maneira de me passar a responsabilizar pela minha fé, sendo também, o culminar do processo. Ora, nem mesmo nesse ano de catequese ia à missa. Só por vésperas do Crisma me confessei pela primeira vez em muito tempo, dando-me o Bispo o Crisma, e a Eucaristia, no Domingo seguinte. Desde então, sim, posso considerar a minha vida religiosa normalizada.Vem este registo autobiográfico para contextualizar as minhas impressões sobre a catequese. São-no sobre esse ano que lá andei (por sinal, o ano passado), já que, dos outros, a memória é parca. De qualquer forma, se na altura saí, foi porque não estava agradado.O facto é que guardo desse ano, e dessa catequese, não boas recordações: era um dos três rapazes, e num grupo com que nada simpatizava. A catequista, bastante jovem, até, não era propriamente uma mestre em Teologia Moral. Tinha muito jeito, é certo, para cantar Salmos, mas não sei: não a vejo como catequista. E como era, exactamente, aquela catequese? Era de várias formas. A maior parte das vezes, falava-se. Falava-se muito do amor, do amor, do amor. Cristo também falava – mas, no Evangelho, fá-lo sempre duma forma exacta, brilhante. Que é preciso amar, porque Jesus nos amou, sabíamos já todos, porque no-lo era repetido até à exaustão. E eu sei que é o único dever do cristão – amar: a Deus sobre todas as coisas, ao próximo, como a si mesmo. Mas depois disso vinha um chorrilho de banalidades, que tinham o condão de impacientar e desagradar quem por lá estava. – E o que é para ti o amor? E queres partilhá-lo? Caramba, o amor é aquilo que é para mim… E depois liam-se poemas, e textinhos bonitos – às vezes, tão lamechas quanto aquelas mensagens de correio electrónico brasileiras. Para quê, pergunto eu?É que o que mais me espantou foi o facto de a Bíblia estar por lá arrumada num canto. Talvez porque já a tinha lido, sentia uma falta imensa em não nos ser mostrado onde é que estava o que nos diziam. Nem mesmo a passagem do mandamento novo, o do amor. Não digo que isto tornasse a catequese mais aliciante para alguns que, quase contrariados, lá andavam. Mas pelo menos, os que andavam por gosto, ficavam a saber algo em termos. Digo, então, que aquelas catequeses pareciam as homilias que pouca ligação têm com as leituras – com a diferença de, na catequese, não haver leituras. Aliás, notei, também, que havia uma enorme distanciamento entre a catequese e a missa: parecia que nada tinham de ralacionado.E aquelas apresentações de diapositivos com uma música de fundo insuportável? E com crianças sorridentes a brincar num jardim, ou pássaros, ou exemplos de pôr-do-sol, que serviam de base a poemas monótonos e repetitivos? Davam sono…É, talvez, por isso, que há uma gradação decrescente no número de jovens inscritos na catequese. Por esta ser como é, e por eles serem como são. Que, é verdade, muitos só la andavam por obrigação dos pais.Assumo que é muito fácil criticar sem propor sugestões: mas se eu sei apontar os erros porque estive lá, não se me afiguram grandes correcções porque não tenho formação. De qualquer forma, sempre me parece que a iniciativa de ir à catequese tem de partir dos próprios jovens. Que não podem ser aliciados com papelinhos que dizem que é fixe e divertido e que, porventura, não têm qualquer efeito. A catequese é o que é. E deve ser o que parecer melhor a quem sabe. Julgo, porém, que o actual modelo não é o mais adequado: os seus resultados estão à vista.Como deveria ser, então? Em primeiro lugar, não se limitando a pregar o amor e outras virtudes, mas mostrando também os seus efeitos, e consequências da não prática delas. Ligando-se mais à missa, funcionando como complemento desta e em articulação com esta – talvez, explicando-se na catequese aquilo que o padre explica na missa, mas da forma mais adequada à idade de cada um. Preparando os jovens para os Sacramentos, direccionando-os a eles como a um objectivo a atingir – e demonstrando, portanto, as responsabilidades inerentes a cada um. (Não sei porquê, mas apetece-me referir, aqui, que sou fervoroso apoiante do neo-catecumenato.)E, enfim, fazendo-se por ser, para os jovens, mais que um dever, um direito que estes têm, e, enquanto direito, algo opcional e responsabilizante: é só para quem quer; quem quer terá responsabilidades; essas responsabilidades são o que conduz à participação plena na vida da Igreja, com todos os frutos que isso traz.Talvez o tom do artigo tenha sido um pouco duro, irónico nalguns casos. Não nego que a catequese, mesmo a que se pratica hoje, tem alguns bons resultados. Mas nós, cristãos, temos o dever de agir para a melhorar. A bem de toda a Igreja.
Absurdo