Viver um cristianismo com piada

O cristianismo não é propriamente conhecido por ser a religião da alegria, e é uma pena.

Se dissermos que Deus é Amor, ninguém se espanta. A afirmação tornou-se até um pouco banal à força da repetição. Mas se dissermos que Deus é Humor, ficamos em estado de alerta, porque nos parece que alguém está a tentar entrar, no território de Deus, “pela entrada dos fundos” e não pela “porta principal”. A verdade é que o Amor não dispensa o Humor.

O cristianismo não é propriamente conhecido por ser a religião da alegria, e é uma pena. «O cristianismo seria muito mais credível se os cristãos vivessem em alegria», escreveu Nietzsche, e não podemos dizer que sem razão. O nosso testemunho fica muitas vezes refém de uma gravitas insonsa. Esquecemos demasiado o Evangelho da alegria que arrisca-se a tornar uma espécie de tópico marginal.

Por exemplo, quando citamos uma frase bíblica, raramente ela diz respeito à alegria. E, no entanto, a Bíblia é uma espécie de gramática do Humor de Deus. Por incrível que pareça, aquela biblioteca tão séria é também hilariante e está cheia de risos, embora esta dimensão seja, entre nós, escassamente referida. Há páginas que constituem um puro alfabeto da Alegria e muitos momentos que só são compreendidos por quem arriscar sorrir. É que a Revelação de Deus propaga-se numa dinâmica que é claramente jubilosa. Talvez tenhamos de levar mais a sério o verso brincado que o Salmo 2 nos segreda: «O que habita nos Céus, sorri». Ou perceber que a expressão crente é chamada a desenvolver-se como uma coreografia festiva, à maneira do que descreve o Salmo 33: «Alegrai-vos no Senhor, louvai o Senhor com cítaras e poemas, com a harpa das dez cordas louvai o Senhor; cantai-lhe um cântico novo, tocai e dançai com arte por entre aclamações».

O humor abre espaço nas nossas vidas à surpresa. Rimo-nos porque, sem esperarmos, uma palavra cheia de graça vem ao nosso encontro. Na verdade, também a Fé não é, de todo, uma experiência previsível, um mapa prévio muito detalhado, mas uma abertura ao inesperado de Deus que nos convoca.

Uso da Bíblia na formação de catequistas

Apresentamos aqui um testemunho dum grupo de catequistas da diocese de Ávila que, depois dum curso de iniciação bíblica, sentiu necessidade de mais alguma coisa.



1. A quem iremos nós, Senhor? (Jo 6,68)

Com esta pergunta, que resume a inquietação de muitos catequistas da diocese de Ávila, começa uma experiência de formação bíblica que já tem dois anos de vida.


A necessidade era clara:

* O material catequético utiliza cada vez mais citações bíblicas e pressupõe que o catequista é capaz de situar, interpretar, actualizar… cada texto no seu contexto e dar-lhe o valor catequético que eles pretendem.

* Existe a intuição de que nos textos bíblicos se encontra uma enorme riqueza de recursos didáticos capazes de abordar duma forma viva e atraente a mensagem a transmitir.

* As celebrações litúrgicas adquirem variedade, criatividade e, sobretudo, profundidade e vida, a partir do aprofundamento dos textos bíblicos.


Mas, como tirar tanto “sumo” dum “livro” tão difícil como a Bíblia? Que fazer? No Secretariado da Catequese foram pensadas várias soluções, inclusive a de conferências a fazer por peritos. Foi posta de lado esta solução, porque não atingia as zonas rurais, que eram quem mais precisava. Além disso, não se tratava apenas de “ouvir”. As pessoas simples (a maioria das pessoas) entendem pouco de conferências de peritos. Tinha que ser algo muito mais vivo, mais participativo, mais simples, mais “nosso”. Algo que implicasse a nossa participação e “complicasse” a nossa vida, porque só isso é que deixa rasto; e que fosse uma coisa que se pudesse fazer em todas as zonas.


Contactámos a “Casa da Bíblia”. Daí veio a ideia de fazer grupos bíblicos de catequistas. Era uma fórmula mais experimentada e tanto o Objectivo como a Metodologia e Material eram precisamente o que procurávamos.


Mas, como sempre, o mais difícil não é encontrar uma ideia, senão pô-la a funcionar. A primeira grande dificuldade é que um grupo bíblico não nasce nem funciona se não tiver Animador. Daí a necessidade de encontrar catequistas para animadores e formá-los para isso (não há pessoas mais ocupadas que os catequistas!). Utilizaram-se todos os processos para a “captação” e convocou-se um encontro de fim de semana. Foram convidados 30 e éramos 16 (uma coisa é pregar, outra é dar trigo!).

2. Todas as coisas têm o seu tempo (Ecl 3,1)

Tratava-se de descobrir a que tínhamos sido chamados:

* Fundamento: Abordagem da Bíblia como Palavra de Deus lida em comunidade, e conscientes da sua importância: a Bíblia situa-se no coração da Igreja. E esta tem como prioridade, nas vésperas do ano 2000, responder ao desafio da nova evangelização.

* Objectivo: fazer crescer e amadurecer a própria vida e a própria fé à luz da Bíblia.

* Tipologia do grupo:

– O número ideal oscila entre os 7 e os 12.

– Reúnem-se cada 15 dias, durante uma a duas horas.

– Clima aberto e participativo, que facilita a comunicação entre os elementos e provoca o diálogo contínuo entre a experiência religiosa contida na Bíblia e a nossa própria experiência.

– Algumas pessoas exercem um serviço especial dentro do grupo: animador, secretário, perito…

– O grupo é temporal, com uma duração de vários anos, durante os meses de Outubro a Junho.


* O Animador:

– Convoca, coordena e favorece o desenvolvimento do grupo.

– Tem certa cultura bíblica e pedagógica; mas não é um perito.

– É um autêntico convencido da importância da Palavra de Deus na vida da Igreja; e, portanto, um assíduo ouvinte da Palavra, que necessita conhecer, estudar, meditar e testemunhar com a própria vida.


Depois dum minucioso “desenho” do que deve ser um grupo bíblico, veio a grande pergunta: Estás disposto a ser Animador deste “invento”? Quase todos dissemos que sim. Tínhamos um verão pela frente.


3. Tocai a trombeta…Convocai a assembleia (Jl 2,15)

Com o início do ano, chegou o momento da verdade! Cada animador encarregou-se de fazer a convocatória na sua paróquia. Formaram-se 11 grupos: 4 nas aldeias e 7 na capital da Província. Praticamente todos os membros dos grupos são catequistas. Apenas num grupo, a maioria não são catequistas; mas são pais que procuram no grupo respostas para os próprios filhos. A preocupação pela “transmissão da fé” é o denominador comum de todos os membros, que são maioritariamente adultos.


E começámos! Com todos os medos e com a ilusão das “coisas novas”. Nós, os animadores, reunimo-nos frequentemente, com o coordenador diocesano, e…que maravilha!, o “invento” funciona! Isso sim, de onze maneiras diferentes. É curioso: todos recebemos a mesma coisa, mas os grupos são a coisa mais variada do mundo!


É difícil que exista coisa tão flexível e que melhor se adapte a cada tipo de necessidade de formação bíblica: Alguns há que reúnem uma hora por semana; outros hora e meia cada quinze dias; e, outros, uma vez por mês; uns estudam muito material; outros preferem menos “teoria” e “degustar” muitos textos da Bíblia. É como o maná: “Uns recolheram mais, outros menos….Cada um recolhera apenas o que necessitava para o seu sustento” (Ex 16,17-18).


4. Tu tens palavras de vida eterna (Jo 6,68)

Vida! A vida divina! A vida que ninguém nos pode tirar! Essa é a grande oportunidade que recebem todos os que se aproximam da Palavra e dela se alimentam. E o grupo Bíblico participa desse grande “milagre” que, apesar de ser frequente e familiar, não deixa de surpreender. Vem-se ao grupo para “melhorar o serviço” e leva-se a grande surpresa de que se está a receber VIDA. Vida em grupo: Escola de Comunidade:”o anjo retirou-se de junto dela” (Lc 1,38). Quantas vezes temos tido esta experiência de Maria! Quantas vezes temos recebido a “mensagem” do anjo que transmitia a missão e o Anjo nos deixa sozinhos. Por isso, não podemos estranhar que as pessoas que frequentam o grupo há dois anos, a primeira coisa que dizem, quando se lhes pergunta pela sua experiência, respondam: “o grupo é uma ideia genial!”. E é-o porque nos “obriga” a fazer o que nos prometemos centenas de vezes: “Deveria ler todos os dias um bocadinho de Bíblia!”; “preciso de orar, mas não tenho tempo!”; “com tantos comentários de Bíblia que há, deveria…”. Deveria… mas não há tempo!


O tempo! Somos escravos do urgente, do imediato, e muitíssimas vezes escapa-se-nos o o que é importante, o que é fundamental. E assim vamos andando. A vantagem do grupo é que conseguimos fazer do importante imediato. Porque temos que ir ao grupo com “os deveres feitos”, para podermos estar ao corrente do que os outros dizem, para poder colaborar “com fundamento”. A quantos livros não limpámos o pó, e pedimos ao Menino Jesus e fotocopiámos…! E, neste aspecto, ainda há muito caminho para andar. Porque estamos pouco habituados a ler, a saborear, a meditar e a orar à luz da Palavra, no encontro directo e pessoal com a mesma. Falta-nos ainda o hábito do silêncio, da escuta e de nos deixarmos guiar pela brisa de Deus, ao entardecer. Pesa demasiado a comodidade do que nos “dizem”, “que pensam por nós e nos dêem tudo mastigadinho”


“Pedro disse: Vou pescar. Eles responderam: Nós também vamos contigo. Saíram e subiram para o barco (Jo 21,3). O grupo é uma boa ideia também porque quanto mais experiência temos de Deus, mais necessitamos duma autêntica Comunidade de irmãos para poder partilhá-la. Um ambiente onde cada um é valorizado, conhecido, aceite tal como é. Sem necessidade de máscaras nem disfarces. Não é nada fácil encontrar ambientes destes! Os encontros da comunidade paroquial são massificadores; as reuniões de catequistas são pouco frequentes, apressadas e, além disso, os temas de conversa são as crianças, os pais, os métodos, os resultados… Sempre os “outros”!


Muitos catequistas são membros de grupos onde podem fazer experiência comunitária; mas outros não são. E um sozinho no barco não pesca! Para estes, o grupo bíblico é uma magnífica Escola de Comunidade. Como é difícil, ao princípio, pôr em comum tudo aquilo que deixa entrever a própria interioridade, a experiência de fé! Isto é compreensível, se se tem em conta a prolongadíssima “educação para o silêncio” que se deu na Igreja. É que o diálogo é difícil: prestar atenção ao que fala, e falar ao grupo, preferindo os mini-diálogos ou o “fogo cruzado”. É difícil convencer-se de que todos somos emissores e receptores, na mesma sintonia duma fé idêntica.


Mas, pelo número de membros, pelos temas, pela presença do Espírito, que vai criando comunhão, progressivamente, vai surgindo o que cada um leva dentro de si: os encontros, as dúvidas, as lutas, as noites escuras, as luzes, as esperanças… A experiência da fé num Deus que Se manifesta na história, na história de cada um de nós e que caminha connosco. E as pessoas ficam surpreendidas, ao partilhar espontaneamente, o que levam dentro de si mesmas. Há reuniões em que se “apalpa” o Espírito Santo, fazendo verdadeira a profecia de Isaías: “O lobo e o cordeiro pastarão juntos, o leão e o boi comerão palha, e a serpente comerá terra. Não haverá mal nem aflição em todo o Meu Monte santo” (Is 65,25). Porque lobos e cordeiros, panteras e cabritos… há-os em todos os grupos. Mas ninguém come ninguém! Até somo amigos!


5. Estai sempre prontos a responder àquele que vos perguntar a razão da vossa esperança (1 Pe 3,15)

Acontecia uma coisa curiosa: quando começámos o grupo, todos “sabíamos muito”… Bom, reconhecíamos “algumas lacunas” no que se refere ao ambiente geográfico, político, social e religioso da Bíblia, assim como as formas literárias utilizadas, o que impede de distinguir entre o conteúdo revelado e a roupagem que cada autor utiliza para exprimir dito conteúdo. No resto… todos “muito bem formados”!…


Depois, à medida que íamos confiando uns nos outros, foram surgindo as dúvidas, depois as situações que precisavam de ser iluminadas com a Palavra de Deus. Que surpresa e que alívio saber que todos tínhamos “zonas obscuras”, todos necessitávamos de ser salvos, todos tínhamos necessidade de pedir ao Senhor que nos aumentasse a fé, porque, apesar de sermos catequistas não “experimentamos” a décima parte daquilo em que “acreditamos” com a cabeça.


Ainda há muitas coisas das que não sabemos “dar razão”, mas também há muitas coisas das que sabemos dar razão, mas não são “nossa esperança”. Que sorte ter a oportunidade de que nos ajudem a distinguir a luz das trevas! “O Verbo era a luz verdadeira que, vindo ao mundo, a todo o homem ilumina” (Jo 1,9).


6. Sabei que nenhuma profecia da Escritura é de interpretação particular (2 Pe 1,20)

A forma de trabalho no grupo bíblico supõe uma nova maneira de abordagem da Bíblia. Até agora, a forma de “trabalhar” com o texto supunha: ler e perguntar-se ou perguntar: ” A ti, que te dizem?”. E a resposta, sobretudo em crianças e adolescentes (que normalmente não se lembram do que o padre disse na homilia!) é muito gráfica, fazem cara de quem “não sabe, não responde”; e nota-se neles um certo sentimento de culpa, porque se dirâo: “Como é possível que a Palavra de Deus não diga nada?”. Aos adultos, acontece-nos a mesma coisa; só que sabemos disfarçar melhor!…


Falta-nos todo o processo de acercamento a uma cultura muito diferente da nossa e da qual estamos separados por muitas centenas de anos. Agora sabemos, por experiência própria, que não se pode prescindir de ler o texto no seu contexto histórico, literário e teológico, e que é preciso dedicar tempo à meditação, à reflexão pessoal e de grupo, para encontrar conexão entre essa mensagem e essa situação e o “hoje” da nossa vida pessoal e comunitária; de outro modo, corremos o risco de “obrigar” a Escritura a dizer o que nós queremos que diga, deixando a Deus, que não tem voz, sem Palavra.


Neste sentido, trabalhar cada semana ou cada 15 dias um texto, seguindo o esquema da “Lectio divina” (leitura divina) é um presente do céu, que vai criando hábito. Poucos somos os que, agora, depois de ler um texto, nos lembramos de dizer: “A ti que te dizem?” E é experiência habitual que, depois de “entender” com a cabeça e com o coração, um texto diz muitíssimas coisas que automaticamente são “luz para os nossos passos”. A Lectio divina (leitura divina) é um itinerário para ler a Palavra de Deus em constante diálogo com Ele. Foi cultivada pelos Padres da Igreja e, depois, sobretudo pelos monges. Nós queremos recuperar essa experiência. Eis aqui as quatro etapas que eles costumavam seguir:


1. LER – Lectio

2. DEIXAR-SE INTERPELAR – Meditatio

3. ORAR – Oratio

4. TRASFORMAR – Contemplatio

Temos que reconhecer, com profundo agradecimento, que este acesso ao mais profundo da Escritura não seria possível para nós – que ordinariamente não dispomos dum perito em Bíblia – sem o esforço que, nestes últimos anos, fizeram os estudiosos, que dão o melhor da sua vida para que nós possamos entender a Escritura. E o esforço das editoras católicas que, cada vez mais, colocam à nossa disposição livros de introdução ao mundo da Bíblia e à sua leitura com comentários mais fáceis de ler e, ao mesmo tempo, profundos. A variedade de livros e de estudos que nos aproximam do mundo e do conteúdo da Bíblia é extraordinário. Se são caros, o grupo tem ocasião de pôr em prática a “comunhão de bens”. Cada um compra o que pode e tira informações onde lhe parece bem, “pondo à disposição dos outros o dom que recebeu (1 Pe 4,10). Isto vai-se cumprindo na medida em que cada um se vai sentindo parte do grupo. E se vão manifestando os carismas, que, ao princípio, eram um pouco forçados.


7. O que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos (1 Jo 1,3)

Que diferença falar dum texto, porque está numa ficha e tem uma etiqueta: “texto eucarístico”, “texto de envio”, “texto sobre a oração”…e falar desse mesmo texto depois de ter sido objecto dum encontro profundo com o Senhor e com o grupo! Que diferente, quando de uma palavra podemos ser TESTEMUNHAS, porque vimos e ouvimos e o nosso coração sentiu que é VERDADE, que essa Palavra se cumpriu, que se cumpre na nossa vida, na vida da Comunidade! Que diferente, quando podemos dizer, com os habitantes da Samaria: “Já não é por causa das tuas palavras que acreditamos. Nós próprios ouvimos e sabemos que Ele é realmente o Salvador do mundo” (Jo 4,42).

8. Os que semeiam com lágrimas recolhem entre cânticos (Sl 126,5)

Quantas mudanças de atitudes se vão produzindo entre nós! Como sempre, mais nuns do que noutros. Poder falar livremente da Palavra, sem sentido de culpabilidade por quebrar um tabú ou destruir algum “mito”. Perceber entre os membros do grupo a ALEGRIA de se sentirem os “pequenos” que o Pai escolheu para revelar os segredos do Seu amor salvador. Quantas expressões e gestos desta alegria “que ninguém poderá tirar” se repetem em cada grupo! Não somente nas palavras. É também a falta de pressa na hora de terminar as reuniões (essas pessoas tão ocupadas!); isso leva-nos a pensar que os membros do grupo se vão encontrando com a VERDADE LIBERTADORA que, procedendo de Deus, se manifesta plenamente no FILHO-PALAVRA através das palavras.


Deste modo, a leitura e a meditação da palavra não se queda em pura teoria da fé ou em mera ilusão de salvação individual, mas vai criando a necessidade dum compromisso de vida pessoal e comunitário, a fim de obter a construção e extensão do Reino, hoje mais do que nunca, EVANGELHO DE ESPERANÇA, DE ALEGRIA, DE LIBERTAÇÃO E DE SALVAÇÃO.


Maria Isabel Lopez Fernandez (Paróquia de S. Tiago Apóstolo – Ávila)



Sobre a importância da Bíblia para os carequistas, veja-se D. horácio coelho cristino, Bíblia e ministérios- A Bíblia na “nova” catequese em A Bíblia na nova evangelização, XIV Semana Bíblica Nacional, Difusora Bíblica, 1992, p.179-215.

Chuva

Dedico a todos aqueles que me marcam a alma…
Às alegrias que me fazem viver e àqueles que fazem sofrer, por não me conseguirem fazer esquecer que eles não são tudo.

As coisas vulgares que há na vida
Não deixam saudades
Só as lembranças que doem
Ou fazem sorrir

Há gente que fica na história
da história da gente
e outras de quem nem o nome
lembramos ouvir

São emoções que dão vida
à saudade que trago
Aquelas que tive contigo
e acabei por perder

Há dias que marcam a alma
e a vida da gente
e aquele em que tu me deixaste
não posso esquecer

A chuva molhava-me o rosto
Gelado e cansado
As ruas que a cidade tinha
Já eu percorrera

Ai… meu choro de moça perdida
gritava à cidade
que o fogo do amor sob chuva
há instantes morrera

A chuva ouviu e calou
meu segredo à cidade
E eis que ela bate no vidro
Trazendo a saudade

Hallelujah

Dedicada aos Heróis que estão a fazer o Curso Geral de Catequese, na Arquidiocese de Braga.

I heard there was a secret chord

That David played and it pleased the lord

But you don’t really care for music do ya

It goes like this, the fourth the fifth

The minor fall and the major lift

The baffled king composing, hallelujah

Hallelujah, hallelujah, hallelujah, hallelujah

Your faith was strong but you needed proof

You saw her bathing on the roof

Her beauty and the moonlight overthrew ya

She tied you to her kitchen chair

She broke your throne, and she cut your hair

And from your lips she drew the hallelujah

Hallelujah, hallelujah, hallelujah, hallelujah

Well, maybe there’s a God above

But all I ever learned from love

Was how to shoot at somebody who outdrew ya

And it’s not a cry that you hear at night

It’s not somebody who’s seen the light

It’s a cold and it’s a broken hallelujah

Hallelujah …

Poema do Homem Só

Sós,
irremediavelmente sós,
como um astro perdido que arrefece.
Todos passam por nós
e ninguém nos conhece.

Os que passam e os que ficam.
Todos se desconhecem.
Os astros nada explicam:
Arrefecem

Nesta envolvente solidão compacta,
quer se grite ou não se grite,
nenhum dar-se de outro se refracta,
nehum ser nós se transmite.

Quem sente o meu sentimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem sofre o meu sofrimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem estremece este meu estremecimento
sou eu só, e mais ninguém.

Dão-se os lábios, dão-se os braços
dão-se os olhos, dão-se os dedos,
bocetas de mil segredos
dão-se em pasmados compassos;
dão-se as noites, e dão-se os dias,
dão-se aflitivas esmolas,
abrem-se e dão-se as corolas
breves das carnes macias;
dão-se os nervos, dá-se a vida,
dá-se o sangue gota a gota,
como uma braçada rota
dá-se tudo e nada fica.

Mas este íntimo secreto
que no silêncio concreto,
este oferecer-se de dentro
num esgotamento completo,
este ser-se sem disfarçe,
virgem de mal e de bem,
este dar-se, este entregar-se,
descobrir-se, e desflorar-se,
é nosso de mais ninguém.

António Gedeão

Poema do Homem Só

Sós,
irremediavelmente sós,
como um astro perdido que arrefece.
Todos passam por nós
e ninguém nos conhece.

Os que passam e os que ficam.
Todos se desconhecem.
Os astros nada explicam:
Arrefecem

Nesta envolvente solidão compacta,
quer se grite ou não se grite,
nenhum dar-se de outro se refracta,
nehum ser nós se transmite.

Quem sente o meu sentimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem sofre o meu sofrimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem estremece este meu estremecimento
sou eu só, e mais ninguém.

Dão-se os lábios, dão-se os braços
dão-se os olhos, dão-se os dedos,
bocetas de mil segredos
dão-se em pasmados compassos;
dão-se as noites, e dão-se os dias,
dão-se aflitivas esmolas,
abrem-se e dão-se as corolas
breves das carnes macias;
dão-se os nervos, dá-se a vida,
dá-se o sangue gota a gota,
como uma braçada rota
dá-se tudo e nada fica.

Mas este íntimo secreto
que no silêncio concreto,
este oferecer-se de dentro
num esgotamento completo,
este ser-se sem disfarçe,
virgem de mal e de bem,
este dar-se, este entregar-se,
descobrir-se, e desflorar-se,
é nosso de mais ninguém.

António Gedeão

Open Educational Resources: Conversations in Cyberspace

Editada por Susan D’Antoni and Catriona Savage

Os sistemas de educação hoje enfrentam dois grandes desafios: ampliar o alcance da educação e a melhoria da sua qualidade. As soluções tradicionais não são suficientes, nomeadamente no contexto da actual sociedade do conhecimento intensivo.

O objectivo do movimento Open Educational Resources (OER) é permitir o acesso ao conhecimento mundial através, de forma aberta e livre, da disponibilização online de conteúdos com grande qualidade.
A UNESCO tem contribuído para a sensibilização sobre este movimento, facilitando uma ampla discussão no ciberespaço. Durante um período de dois anos, uma grande e diversificada comunidade internacional discutiu o conceito e as potencialidades dos OER numa série de fóruns on-line.

O fundo documental e relatórios já estão disponíveis em versão impressa. Open Educational Resources: Conversations in Cyberspace fornece uma visão geral dos primeiros passos desta excitante desenvolvimento: ele capta as conversas entre os líderes de alguns dos primeiros projectos OER e a documentação dos debates sobre as questões que continuam a desafiar o movimento. A publicação pretende fomentar a reflexão de todos aqueles que estão envolvidos nos por OER: as suas potencialidades e os seus progresso.

Ambientes Pessoais de Aprendizagem

Artigo realizado na UC Modelos de Ensino à Distância, do Mestrado em Pedagogia do E-Learning, da Universidade Aberta, no âmbito da qual este trabalho foi realizado, sob orientação da Docente, Prof. Doutora Lina Morgado.

Resumo
Neste artigo faz-se uma aproximação ao conceito de Ambiente Pessoal de Aprendizagem, também denominado PLE (Personal Learning Environment). Esta aproximação faz-se um pouco pela contraposição com os clássicos LMS’s (Learning Management System). O PLE centra-se no aprendente que utilizará um agregado de ferramentas, que personalizará de acordo com as suas preferências e necessidades. Esta realidade dá ao aprendente o controle da sua aprendizagem, quer num contexto pontual, quer na aprendizagem ao longo da vida.
Por que este é um conceito ainda recente, é compreensível que haja alguma disparidade e até divergência no modo como se percebe, constrói e acolhe ferramentas que suportem este modo de aprender. Razão pela qual este artigo aborda aquelas que deverão ser, no nosso entender e de acordo com a literatura disponível, os serviços que deverão estar presentes nas ferramentas adoptadas ou a adoptar pelo aprendente.

Palavras-chave:
Personal Learning Environment, PLE, Aprendizagem.

Metodologia
Analisámos alguma literatura relativa a aos Ambientes Pessoais de Aprendizagem.

Introdução
Os PLE (Personal Learning Environment – Ambiente Pessoal de Aprendizagem) são recursos que pretendem ajudar o aprendente a ter o controlo e a gerir a sua aprendizagem. Para que isso seja possível: os aprendentes podem definir os seus objectivos de aprendizagem; realizar a gestão da aprendizagem, através da gestão de conteúdos e de processos; e comunicar com outros participantes no processo de aprendizagem. Por isso, de acordo com a literatura disponível, o conceito de PLE representa o mais recente passo evolutivo para uma aprendizagem centrada, não na instituição, mas no aluno.
“representa, de certa forma, o convergir de muitos dos aspectos que temos vindo a referir no que toca às mudanças sociais e culturais provocadas pelo desenvolvimento tecnológico, nomeadamente com a Web 2.0, e que acabam por ter, inevitavelmente, um forte impacto na educação e na concepção da aprendizagem. Os PLEs representam, se quisermos, uma busca para operacionalizar nestas áreas os princípios do e-Learning 2.0, do poder e autonomia do utilizador / aprendente, da abertura, da colaboração e da partilha, da aprendizagem permanente e ao longo da vida, da importância e valor da aprendizagem informal, das potencialidades do software social, da rede como espaço de socialização, de conhecimento e de aprendizagem”[José Mota (6-2009) – Da Web 2.0 ao e-Learning 2.0: Aprender na Rede].

Ambiente Pessoal de Aprendizagem
Quando Ron Lubensky[Ron Lubensky, The present and future of Personal Learning Environments (PLE), Disponível em https://www.deliberations.com.au/2006/12/present-and-future-of-personal-learning.html. [Acedido em 07-07-2009]], em 2006, ensaia uma definição diz que “um Ambiente Pessoal de Aprendizagem é uma iniciativa para que um indivíduo aceda, agregue, configure e manipule artefactos digitais das suas experiências de aprendizagem”.
Na sua definição, Ron Lubensky procura congregar alguns aspectos aglutinadores da identidade dos PLEs. Refere, e passo a transcrever, que:
1. Os PLEs são controlados pelo indivíduo e depois separados de portais institucionais como Ambientes de Aprendizagem Virtuais (VLE) universitários ou Plataformas de Ensino (LMS) profissionais, para os quais os objectivos de construção correspondem às exigências institucionais.
Os artefactos geridos através dos PLEs incluem os recursos digitais e referências com as quais os indivíduos preferem interagir de momento e talvez recordar no futuro. Os recursos incluem não só texto estático e multi-média mas também serviços dinâmicos e seus artefactos, tais como mensagens instantâneas, fóruns on-line e entradas de blogues. Embora um ePortfolio contenha observações actuais sobre o objectivo da reflexão, avaliação e auto-promoção, o PLE inclui um repositório maior que também inclui ligações e comentários para os três propósitos.
2. O principal objectivo de um PLE para um indivíduo é o de reunir todos os diferentes artefactos de interesse para a aprendizagem. O pressuposto é que existem muitos artefactos, organizá-los é demorado e é fácil esquecê-los. O objectivo dos PLEs é simplificar a gestão destes artefactos, criar sentido através da agregação, ligação e etiquetagem através de meta-dados (p. ex: comentários, palavras-chave).
3. Um PLE integra-se com serviços digitais que o indivíduo subscreve. Podem ser os LMSs universitários, os CMSs do trabalho ou uma colecção de serviços da denominada Web 2.0, como o bookmarking social ou partilha de fotografias.
4. Um PLE engloba as várias experiências de aprendizagem que um indivíduo subscreve durante a sua vida. Os estudantes do liceu operam o seu próprio PLE, ligando-o ao Ambiente de Ensino Virtual (Virtual Learning Environments) da escola. Quando entram na universidade, pode ser ligado ao da universidade. Entrando numa actividade profissional, o indivíduo pode então ligar o PLE à aprendizagem empresarial e a funcionalidades de desenvolvimento profissional. Ao mesmo tempo, o indivíduo pode escolher ligar-se individualmente a uma crescente vaga de serviços da Web 2.0 que possam ser úteis para fomentar o crescimento e aprendizagem pessoal.

Graficamente, podemos ver como os PLE’s se situam na intersecção da VLEs, Web 2.0 e uma vista expandida da ePortfolios.

© Ron Lubensky


PLE vs LMS

Para se poder perceber o modo como os PLEs vão sendo adoptados, é preciso compreender a sua evolução, nomeadamente por comparação com os LMS’s e VLE’s. Estes tendem a perpetuar o modelo de instrução tradicionalista da educação, onde o objectivo principal dos sistemas é organizar conteúdos de cursos para transmissão a alunos matriculados, com um grande controlo por parte das instituições.
“Poucos VLEs fornecem áreas de partilha de ficheiros e funcionalidades de colaboração como conversação e fóruns de discussão. Nas universidades, os VLEs geralmente servem como gateways seguros para índices digitais e relatórios de pesquisa. A não ser que os estudantes copiem manualmente os materiais da área do VLE, todos os indícios da sua experiência de aprendizagem são perdidos após a conclusão dos seus estudos”[Idem].
O conceito de PLE surgiu um pouco como resposta aos constrangimentos dos LMS, vistos muitas vezes como limitadores da aprendizagem. Acresce ainda o facto de o acesso a outros recursos Web serem vistos, muitas das vezes, como uma ameaça às instituições, em vez de serem encarados como uma vantagem. Contudo, as reflexões sobre os PLEs surgiram também pela assumpção da existência de oportunidades reais de aprendizagem com muitos dos serviços da WEB 2.0.
Vejamos graficamente o conceito de PLE [Imagem retirada de Scott Leslie – A Collection of PLE diagrams].

Podemos, então, dizer que os PLEs se centram nos aprendentes, ao passo que os LMS se centram mais na instituição e nas suas necessidades de organizar e controlar todo o processo.

Operacionalização
Quando o aprendente pretende construir o seu PLE espera-se que utilize um conjunto de serviços unificado, que ele personaliza de acordo com os seus objectivos e necessidades. Com isso, consegue-se que o aprendente tenha um grande controlo e liberdade para colaborar com outros aprendentes, na utilização de recursos.
Porque esta realidade ainda é muito nova, e porque não há uma ferramenta por nós conhecida que se possa chamar a ferramenta de apoio por exelência, vamos propor um modelo referência que adoptámos, de Milligan et al.[Milligan, Colin; Beauvoir, Phil; Johnson, Mark; Sharples, Paul; Wilson, Scott; & Liber, Oleg. (2006). Developing a reference model to describe the personal learning environment. Disponível em https://www.box.net/public/nuc1azcray [Acedido em 12-07-2009]]. Procura definir o conjunto de serviços e ferramentas que o aprendente precisa para interagir com os serviços de um PLE.
Depois de uma vasta pesquisa, os autores identificaram um conjunto de serviços que deverão estar presentes num PLE:
* Gestão da Actividade (Activity Management) – este serviço fornece uma função de coordenação para grupos, gerindo a interacção com uma actividade. Facilita a adesão a grupos e a sua desanexação, bem como contribuir e aceder a recursos.
* Fluxo de Trabalho (Workflow) – um serviço deste tipo coordena o estado de um recurso como, por exemplo, uma actividade de aprendizagem, processando os eventos relativos aos utilizadores e reportando informação relativa às modificações desse recurso.
* Sindicância (Syndication) – facilita a descoberta e a contextualização de recursos.
* Publicação (Posting) – permite a apresentação de recursos.
* Grupo (Group) – fornece a informação sobre a composição dos grupos.
* Classificação, Anotação e Recomendação (Rating, Annotating, and Recommending) – em conjunto, estes serviços suportam uma grande variedade de actividades, desde a simples classificação até ao fornecimento de informação de retorno, relativa a um conteúdo específico.
* Presença (Presence) – permite indicar a disponibilidade de um utilizador e propagar este estado.
* Perfil Pessoal (Personal Profile) – permite ao utilizador manter um perfil pessoal (ou vários) e partilhar esta informação com outros quando necessário ou desejado.
* Exploração e Percursos (Exploration and Trails) – permite a partilha de percursos, através dos conteúdos.
O Modelo de Referência do PLE constitui um mínimo de serviços identificados, que se articulam e pressupõem uma série de padrões prévios, analisados pelos autores citados. Mas vejamos graficamente o Modelo[Imagem retirada de Milligan et el. Ibidem].


Considerações Finais

Depois deste breve recorrido, consideramos poder afirmar que os PLE são uma realidade a ter bem em conta no futuro da educação, quer pela possibilidade de expandir o campo da aprendizagem durante o tempo formal de aprendizagem, quer pela possibilidade de apoiar e possibilitar a aprendizagem ao longo da vida. A isto acresce a mais-valia de um PLE poder acompanhar o indivíduo ao longo da vida, das suas transições académicas, profissionais e pessoais.
Tendo presente as mudanças culturais, assentes na Web, nomeadamente a 2.0, os PLE também respondem e são potenciadores desta mudança de paradigma cultural, o que postula uma compreensão atenta desta realidade.

Bibliografia

  • Fridolin Wild, Felix Mödritscher, Steinn Sigurdarson – Designing for Change: Mash-Up Personal Learning Environments. Disponível em https://www.elearningeuropa.info/files/media/media15972.pdf. [Acedido a 15-07-2009].
  • José Mota (6-2009) – Da Web 2.0 ao e-Learning 2.0: Aprender na Rede. Dissertação de Mestrado, Versão Online, Universidade Aberta. Disponível em https://orfeu.org/weblearning20/. [Acedido a 16-07-2009].
  • Mohamed Amine Chatti – LMS vs. PLE, disponível em https://mohamedaminechatti.blogspot.com/2007/03/lms-vs-ple.html. [Acedido a 15-07-2009].
  • Ron Lubensky – The present and future of Personal Learning Environments (PLE), Disponível em https://www.deliberations.com.au/2006/12/present-and-future-of-personal-learning.html. [Acedido a 07-07-2009].
  • Sandra Schaffert, Wolf Hilzensauer – On the way towards Personal Learning Environments: Seven crucial aspects. Disponível em https://www.elearningeuropa.info/files/media/media15971.pdf. [Acedido a 15-07-2009].
  • Scott Leslie – A Collection of PLE diagrams. Disponível em https://edtechpost.wikispaces.com/PLE+Diagrams. [Acedido em 15-07-2009].